(Re)descobrindo-se

Sofia tomava um sorvete sentada no banco da sua praça favorita. Gostava simplesmente de passar as horas livres observando as pessoas . Tinha suas preferências: a mulher, que, pontualmente, em todas as quartas caminhava com seu labrador; o velhinho jogador nato de xadrez; o casal que não desgrudava um segundo se quer; o vendedor de pipoca sorridente.

Heraldo não acreditava em mais nada. Seu ceticismo assustava, principalmente sua mulher, que sentia-se distante, abandonada, jogada... triste. Tornou-se egoísta. Talvez muitos anos ao lado da mesma pessoa tenham feito dele um “menos homem”, pensava.

Heraldo acabara de comprar o jornal. Como de costume, sentou-se no banco e tomando seu café começou a folhear as páginas. “Tudo no mesmo, mesmas notícias, mesmas pessoas, caras iguais, nada muda. Tô cansado de tantas cópias!", pensou.

- Alguma coisa que preste aí? Sofia, não resistindo, com sua curiosidade natural, perguntou para aquele velho.

- Nada.

- Que secura!

- O quê?

- Você é sempre assim ou só hoje que está de mau humor?

- Quem é você para querer saber quem sou eu? Vocês jovens pensam que sabem tudo sobre o mundo, que tem a resposta para tudo e formulam idéias surreais a todo tempo .

- Não sou ninguém, até porque nem eu mesma sei quem sou. Estava querendo apenas descobrir algo que seja relevante nessa folha de papel aí. Mas tudo bem, já que sua arrogância não pode dar lugar a uma sutil gentileza, me desculpe, senhor que eu nem sei o nome porque não me dá motivos para tal, é desinteressante.

Heraldo, incrédulo, observava.

- Sinta-se novamente. Não perca essa pessoa maravilhosa que está aí. Sou pequena, mas me ensinaram a ser grande desde já. A vida é, aqui, agora.

Sofia levantou-se, colocou seu fone e caminhou...

Heraldo ficou horas sentado.

Voltou para casa, fazendo tudo diferente.

Um filme passou em sua mente. Poderia estar velho, mas não gostaria de perder aquele espírito livre. Era ele em sua totalidade.

Ele sabe que pode: então voltou a amar novamente.