Cadê a criança que vive dentro da gente...

“A criança que não brinca, não é criança. Mas o adulto que não brinca perdeu para sempre a criança que tem dentro de si” Pablo Neruda

Concordo com Neruda e creio que a criança interior faz o adulto ir em frente, criar, trabalhar bem-humorado e enxergar a vida de uma forma mais leve.

A frase deste poeta admirável me faz refletir sobre as pessoas, especialmente um primo do meu pai que era poeta, escritor e engenheiro civil. Eno Theodoro Wanke* tinha uma inteligência perspicaz e aguçada.

Papai e tio Eno ( como eu o chamava) eram quase como irmãos – o primo viveu durante muitos anos na casa de minha avó enquanto estudava engenharia. Por esta ligação afetiva com meu pai, Eno e a mulher, Irma, frequentavam a nossa casa.

Assim, cresci ouvindo meu pai fazer comentários sobre o primo, fatos de infância, sobre seus escritos, poemas e criações. “O Eno desde criança gostava de ler. Não sabia subir em árvores porque passava horas e horas lendo e fazendo histórias em quadrinhos”, recordava papai.

A tendência intelectual da infância, pelo jeito, não prejudicou a criança que vivia dentro de Eno quando se tornou adulto. Sempre trazia um sorriso de menino em seu rosto. “A psicóloga disse que o primo tem uma célula infantil que não se desenvolveu no cérebro”, contou meu pai, certa vez, para justificar excentricidades do meu tio. Por várias vezes eu vi o próprio Eno rindo desta situação

Pronto. A célula infantil resolvia todo o problema e estava ali justificando o que para alguns seria sem justificativa. Eno era espirituoso e quando o entrevistei para o lançamento de seu livro a Saga dos Imigrantes – uma pesquisa que fez sobre a imigração alemã no Paraná – ele próprio me contou fatos de sua vida. Quando lhe perguntei como conseguia atuar em dois extremos, engenharia e poesia, e porque foi viver no Rio de Janeiro, trabalhar na Petrobrás e deixar sua pequena cidade, Ponta-Grossa, que sempre cantou em prosa e verso, sua resposta foi rápida: “Ninguém dava casa para engenheiro poeta construir numa comunidade pequena e com alguns preconceitos e eu tinha que sustentar a minha família. Fiz concurso e passei e não tive dúvidas em mudar de cidade,” explicou sorrindo.

Este poeta foi morar em Cubatão há mais de 40 anos, pode imaginar uma cidade fundada em função de uma refinaria, numa época em que as leis ambientais não eram muito rígidas! Um local que liderou durante anos o primeiro lugar na lista das cidades mais poluídas do mundo e foi receber um pouco mais de atenção para melhorias, depois que ardeu por inteira num incêndio provocado por vazamento.

No entanto, Eno morava em Santos e de ônibus ou de veículo oficial percorria alguns quilômetros para trabalhar em Cubatão. “Neste percurso escrevia e criava meus poemas”, revelou.

Simples conexão que o libertava do massacre diário de um trabalho extenuante.

Talvez, ele não considerasse tão estressante....

Um teste vocacional feito dentro da empresa provou a ele e aos outros que estavam com dúvidas, que o poeta tinha tudo para ser um bom engenheiro. Mesmo lúdico e vivendo nas nuvens junto com seus escritos, Eno foi o primeiro colocado no teste técnico.

Paradoxal!

Contou-me que amava tanto a matemática quanto poesia e literatura. “O dia que entendi o número PI , a medida da circunferência, fiquei fascinado pela matemática”, lembrou ele.

Eno Theodoro Wanke se encaixa bem dentro da reflexão de Pablo Neruda. A meu ver, ele nunca perdeu de vista a criança que tinha dentro dele, mesmo que na infância não jogava bola e não subia em árvores, pois a criança interior mostra que é possível ter retidão de caráter, sem precisar ser austero, descontraído e não desordeiro, alegre e não arruaceiro, sensível e não fraco....

Despertar a criança que vive dentro da gente é um exercício diário que nos ajuda a enxergar a vida cheia de graça! Sugiro focar neste objetivo como tarefa para 2012, sobretudo porque nós viveremos o Ano do Dragão, no horóscopo chinês.

Não ria, acredite nesta magia, pois precisará muito da sua criança interior nestes 365 dias governados pelo espírito indomável deste animal lendário soltando fogo pelas ventas!

ALEGRIA E PAZ EM 2012!

* ENO THEODORO WANKE (1929-2001) nasceu em Ponta Grossa, Paraná, a 23 de junho de 1929. Filho de Ernesto Francisco Wanke e de Lucilla Klüppel Wanke E NETO DE MARIE WEIGERT WANKE. Aprendeu as primeiras letras na Escola Evangélica Alemã, de sua cidade natal. Quando a escola foi fechada em razão do advento do Estado Novo, o futuro escritor foi transferido para o Liceu dos Campos, cuja proprietária era a educadora Judith Silveira, hoje nome de rua na cidade.

Estudou também no Colégio Regente Feijó, de Ponta Grossa, no Colégio Santa Cruz, da cidade de Castro, PR, onde completou o ginásio. Em 1948, transferiu-se para Curitiba, PR, onde terminou o científico no Colégio Iguaçu e em 1949, após vestibular, entrou para a Escola de Engenharia Civil da Universidade do Paraná, formando-se em 1953. Trabalhou na Prefeitura de Ponta Grossa (1954-1955). Atuou como fiscal de construção de uma linha de alta tensão elétrica em Curitiba, da Companhia Força e Luz do Paraná.

Em 1957 ingressou, por concurso, no curso de Refinação de Petróleo, da Petrobrás, no Rio, passando a trabalhar em 1958 na Refinaria Presidente Bernardes de Cubatão, SP, residindo em Santos, onde viveu onze anos. A partir de 1969 passou a residir no Rio de Janeiro, onde fez carreira dentro da Empresa.

Começou a escrever desde os doze anos. Poeta, Trovador, Contista, Cronista, Biógrafo, Ensaísta, Historiador, Fabulista e Prefaciador, entre outros. Como sonetista de primeira, obteve com o soneto APELO, 160 versões para 95 idiomas e dialetos. É o soneto em português mais traduzido para idiomas estrangeiros: “Eu venho da lição dos tempos idos/e vejo a guerra no horizonte armada. /Será que os homens bons não fazem nada? /Será que não me prestarão ouvidos? Eu vejo a Humanidade manejada/em prol dos interesses corrompidos. /É mister acabar com esta espada/suspensa sobre os lares oprimidos! É preciso ganhar maturidade/no fomento da paz e da verdade, /na supressão do mal e da loucura... Que a estrutura econômica da guerra/se faça em pó! E que reinem sobre a terra/os frutos do trabalho e da fartura!”.

Como trovador, escreveu trovas magníficas e inesquecíveis, como estas, entre outras: “Senhor! Que eu pratique o bem/ separe o joio do trigo, / e tenha força também/ de amar o irmão inimigo.” “Na praia deserta, eu penso/ que a imagem da solidão/ começa no mar imenso e finda em meu coração.” “Quem vai ao mar deitar rede/ que tome cuidado, tome!/ o mar nunca teve sede,/ mas nunca vi tanta fome!” “Seguindo a trilha infinita/ do meu destino estrelado,/ eu sou aquele que habita/ a ilusão de ser amado.” “O meu destino se encerra/ num grave e eterno conflito:/ - meu corpo é feito de terra, - meu coração, de infinito.”

A obra de Eno Theodoro Wanke é extensa e variada. Eis as principais: “NAS MINHAS HORAS” (poesia, 1953), “MICROTROVAS” (1961), “OS HOMENS DO PLANETA AZUL” (sonetos, 1965), “OS CAMPOS DO NUNCA MAIS” (poesia, 1967), “VIA DOLOROSA” (sonetos religiosos, 1972), “A TROVA” (estudo, 1973), “A TROVA POPULAR” (estudo, 1974), “A TROVA LITERÁRIA” (estudo, 1976), “REFLEXÕES MAROTINHAS” (pensamentos humorísticos, 1981), “VIDA E LUTA DO TROVADO RODOLFO CAVALCANTE” (biografia, 1982), “A CARPINTARIA DO VERSO” (didática da metrificação, 1982, 1989, 1990 e 1994), “DE ROSAS & DE LÍRIOS” (minicontos, 1987), “O ACENDEDOR DE SONETOS” (líricos, 1991), “ALMA DO SÉCULO” (sonetos, 1991), “FÁBULAS” (1993), “ADELMAR TAVARES, UM TROVADOR AO LUAR” (biografia, 1997), “ANTOLOGIA DE SONETOS SOBRE A TROVA” (1998), “CONTOS BEM-HUMORADOS” (1998), “FARIS MICHAELE, O TAPEJARA” (biografia, 1999), “ELUCIDÁRIO MÉTRICO” (metrificação, 2000) e “APARÍCIO FERNANDES, TROVADOR E ANTOLOGISTA” (biografia, 2000).

O escritor transitou do CLÁSSICO ao MODERNISMO com elegância e competência, passando pelo lirismo, romantismo, parnasianismo, às vezes até irreverente como no caso de “NESTE LUGAR SOLITÁRIO” (a trova em grafitos de banheiro, 1988) e “ANTOLOGIA DA TROVA ESCABROSA” (1989), aderindo, de forma brilhante ao TROVISMO, desde o seu primeiro momento, em 1950, tornando-se um dos maiores propagadores e historiadores do Movimento da Trova Brasileira.

ENO THEODORO WANKE foi um escritor exuberante, multiforme e polivalente. Alguns CLECS (pensamentos humorísticos) de ENO, selecionados por ELMAR JOENCK, publicados em 1998: “Quando um adjetivo mente, ele, por castigo, vira advérbio. Folha que se desprende da árvore não volta nunca mais. Melhor perder o trem do que perder a linha. O sol nasce para todos. Mas a maioria prefere dormir um pouco mais. Um tolo inteligente não fala, que é para não revelar sua condição”. Organizou e participou ao lado do Trovador Clério José Borges de Sant’Anna, dos Seminários Nacionais da Trova, no Estado do Espírito Santo, organizados pelo CLUBE DOS TROVADORES CAPIXABAS, de 1981 a 1999. Recebeu o título de Cidadão Espírito-santense, conferido pela Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo. Faleceu a 28 de maio de 2001, deixando livros e livrotes que ultrapassam 1000 títulos.

Está presente em várias obras de Aparício Fernandes, entre outras: “NOSSAS TROVAS”, 1973; “NOSSOS POETAS”, 1974; “POETAS DO BRASIL”, 1975; “ANUÁRIO DE POETAS DO BRASIL”, 1976, 1977, 1978, 1979, 1980 e 1981; “NOSSA MENSAGEM”, 1977; “ESCRITORES DO BRASIL”, 1979, 1980. Participou também das “COLETÂNEAS DE TROVAS BRASILEIRAS”, organizadas pelo Trovador Fernandes Vianna, Recife, PE. Verbete de inúmeras obras literárias, entre outras: ENCICLOPÉDIA DE LITERATURA BRASILEIRA, de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa, edição do MEC, 1990, edição revista e atualizada por Graça Coutinho e Rita Moutinho Botelho, em 2001. (Fonte: www.usinadeletras.com.br)