CONTO – Nobre, uma lição de vida –
Parte III
CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte III
Desabafo de um aposentado
Desabafo de um aposentado
...Retrocedendo. Passeava eu no shopping, com minha mulher, num final de semana, quando resolvi entrar na fila para sacar algum dinheiro no caixa eletrônico do Banco do Brasil, onde mantenho conta. Muita gente... Acabei puxando conversa com um senhor, que julgava ser conhecido antigo, de longa data, não me lembrava de onde, o qual se lastimava de seus proventos de aposentadoria, criticando severamente o seu ex-patrão, xingando-o assim como quem estava enraivecido com a situação.
Dizia-me ele que trabalhou no referido banco por quase trinta anos, mas que se somando ao tempo de serviço prestado anteriormente a outras empresas e ao Exército, aposentou-se com mais de trinta anos de contribuição ao INSS. Com vinte e nove anos e alguns meses de BB, trabalhando em cidades inóspitas por este nordeste, criticava ele a política nefasta de que foram vítimas os funcionários daquela instituição financeira oficial. Aos poucos fui ligando a criatura ao seu nome. Nobre, era seu apelido, que muito se assemelhava a sua postura delicada. De fato, eu o conhecera numa vaquejada em Limoeiro, terra do coronel Chico Heráclio, poderoso chefe político da cidade.
Eu era só ouvido. Fiquei na minha. Não entendia o cidadão como é que o salário-mínimo subia acompanhando a inflação, adicionado ao crescimento do PIB, enquanto ele somente tinha direito a pouco mais de seis por cento da PREVI, entidade fechada de previdência do BB, para a qual contribuíra por longos e longos anos. E no aumento do benefício nele já está embutida a correção de cinco por cento do governo federal. Disse que quem está de fora pensa que a aposentadoria particular a que tem direito é um mero presente dos cofres públicos. Sua revolta era maior ainda quando se lembrou do infarto que sofreu em pleno expediente, assim como das diversas cirurgias cardíacas a que fora submetido, achando que o certo seria a integralidade de seus proventos na aposentadoria por invalidez.
Comentava sobre a grande jogada que dera o Banco do Brasil, talvez o maior patrocinador da PREVI. Conseguira tal instituição, através de votação “pressionada” dos associados, desvincular-se da caixa em tela, numa jogada tida por ele como imoral. É que o aposentado, antes disso, recebia seus aumentos de maneira equitativa aos da ativa, e isso não mais viria a acontecer, inclusive porque o banco passou a apelar para o sistema de conceder “abonos” e não aumentos salariais, atingindo de frente àqueles que se mataram pela sua profissão. É que abono não sensibiliza os recolhimentos para os cofres da PREVI e nem do INSS.
Também me falou a respeito de uma caixa de assistência dos funcionários, que seria um plano de saúde bem organizado, mas que certamente não era gratuito, chegando a custar um por cento dos proventos gerais, mensalmente, e que teria mudado com prejuízos aos seus associados. Fez questão de ressaltar que tais mudanças ocorreram em governos anteriores ao de Lula, e que o banco começou a mudar totalmente no governo da raposa maranhense Sarney, atual presidente do Senado, que tinha como ministro da fazenda o doutor Maílson da Nóbrega.
Acreditava aquele senhor, cabelos e barba brancas, já alquebrado pelos anos, que no final terminariam todos percebendo apenas um salário-mínimo mensal, pelo andar da carruagem. Tem certa lógica o seu pensamento, embora para isso sejam necessários anos e anos. Cheguei até a arriscar um palpite: Por que não entraram os funcionários e aposentados na justiça, a fim de que tal anomalia fosse corrigida, mas ele me disse que as mudanças foram objeto de votação “espontânea” e que dificilmente ganhariam, até porque o banco é do governo, embora a categoria não esteja incluída entre os funcionários públicos, como pensam os brasileiros. Trata-se de entidade de economia mista, são apenas bancários, retrucou. Na verdade não se contentava com o seu nível de vida, que estaria caindo a cada ano.
Como de costume, uma pane na máquina, e a fila aumentando, pra minha felicidade, pois a conversa estava muito boa. E foi mais além. Disse que a tal PREVI, de tanto economizar com as medidas implementadas e a desvinculação dos funcionários, passara a dar tanto superávit que já não tinha o que fazer com a enxurrada de dinheiro de que era detentora, sugada dos servidores. Aí então resolvera suspender por um determinado tempo as mensalidades em seu favor, oriundas de funcionários da ativa e aposentados (pois estes, mesmo na reserva, continuam recolhendo suas contribuições normalmente), assim como distribuir uma espécie de dividendos com parte deles. Outra grande jogada, disse. É que desta distribuição também participa o próprio banco, dando a entender que tal procedimento seria ilegal, porquanto não se poderiam confundir associados com patrocinador. Acha o velhinho que os superávits deveriam ser aplicados exclusivamente em favor dos que labutaram no banco, no que penso teria fundamento tal dedução. Assim, deixa o banco de contribuir e passa a receber retorno de seu patrocínio! Que coisa interessante! Nisso culpou o governo atual.
Adorei quando falou que marcou sua vida trabalhando no interior nordestino, mas naquela época os funcionários eram bastante respeitados pelas comunidades onde viviam. Autoridades mesmo só reconheciam no Juiz, no Delegado, no Padre e no Gerente do BB, que casavam e batizavam. Desmanchei-me em risos, até certo ponto escandalosos, no bom sentido, quando falou que as garotas dessas cidades, daquele tempo, faziam de tudo pra casar com um funcionário do BB. Quando iam recolher-se aos seus aposentos para dormir tomavam a bênção aos seus pais (coisa que não mais existe hoje em dia): – “Sua bênção meu pai”. – Deus te dê um marido, minha filha. “A bênção minha mãe”. – Do Banco do Brasil, querida.
Quando mencionou que o Dr. Delfim Neto, antigo Ministro de vários governos, “amarrava” os aumentos do funcionalismo do banco porque tinha raiva de não haver passado num dos concursos públicos realizados, que eram muito sérios, não acreditei, duvidei dele sim, mas me deu um baita de um carão, alegando que as provas eram muito mais difíceis do que qualquer vestibular. Bem, não tinha o direito de pôr em jogo suas palavras.
E não é que o pessoal da fila estava gostando da conversa! Mas o que é bom dura pouco. Chegou a nossa vez, fomos atendidos e nos despedimos, olhos lacrimejantes. Entregou-me um cartão, já meio surrado, com seu endereço e telefone. Não sei quando tornarei a vê-lo. Anotei meu número no comprovante da operação e o entreguei ao meu amigo, porquanto um reencontro seria formidável.
Por hoje é só. Bom dia, até a próxima.
Ansilgus
Em revisão