Abajur Honesto
Acenderam um cigarro na chuva. Não, obrigado eu não fumo, mas gosto de cheiro de gasolina. Ando mais lenta perto dos postos, me certifico que inspirei fundo pelo menos uma vez antes de me diluir nas outras quadras.
O cigarro trepidava incomunmente na mão da senhora.
Talvez um terremoto.
Talvez um urso pardo me ataque quando eu virar a esquina.
Não.
É apenas esse tédio onipresente que não se transforma nada, só cicla infinito dentro e fora de mim. Sair na chuva não adiantou. Reconsiderar um cigarro da velha subitamente se torna um bom objetivo de vida.
De vida.
Sim, agora sim. É, não fumava, mas também não bebia e não raro trago um copo de vodca nas mãos.
Sempre me disseram que banhos de chuva eram agradáveis, acho que ainda não comprendi. Mas nessa esquina de centro, suja, um abajur me olha.
Honesto.
Imagino que algum dia já fez parte de uma mesa sóbria de madeira boa, com um senhor espartano assinando documentos de negócios numa cadeira alta de couro legitimo.
Negócios.
Sempre quis tê-los.
Então eu fumaria um charuto nojento na penumbra do meu escritório, abriria um whisky e com parcimônia marmórea degustaria a vida.