Amor de Mãe
Muitas mães possuem uma triste sina: amargam provações sem que seus filhos reconheçam o tremendo esforço que fazem para alimentá-los, educá-los e protegê-los, e, para não fugir a este triste fato, com “filhinha” não é diferente. Por que não usar nomes? Por que existem milhões de filhinhas no nosso mundo, além do mais, o fato de dar nomes aos bois não é da minha alçada. Narro apenas fatos que presencio e nada mais. Sabendo que você leitor é inteligente e identificará em seu convívio social mamãe e filhinha, não me cabe nomear os personagens.
Mamãe vive noite e dia para satisfazer os caprichos de “filhinha”. Moça não muito bonita, nem tampouco de se jogar fora: corpo violão (mas já está ficando arredondado); cabelos louros até o meio das costas (oxigenados e pranchados); olhos cor de mel (nada doces); um metro e cinquenta e dois; 16 anos, e uma disposição para trabalhar que deixaria qualquer preguiça com inveja. Estudar? Nem pensar! Dar canseira, diz. Deseja ser médica. Graças a Deus, que se um dia ela conseguir entrar numa faculdade, eu já terei morrido. Sua gratidão com mamãe começa desde as primeiras horas do dia: acorda com cara de égua com disenteria; não responde o bom dia; quer a água quente no baldinho; calcinha, calça jeans e camisa do colégio estendidas e passadas no banheiro. Só falta pedir para mamãe tomar banho e se vestir por ela. Ah! Se mamãe pudesse assistir as aulas... Todos os dias é um suplício para acordar, pois fica horas assistindo o Big Brother pela internet (ela ameaçou cortar os pulsos caso a mãe não fizesse a assinatura). Filhinha não gosta de estudar em colégio do governo, por causa disto, mamãe paga uma escola particular. Todo fim de ano são seis ou sete recuperações, mas ela passa. Ela gosta de sair com as amiguinhas, e adivinham quem banca o cinema, as roupas de grifes? Trabalhar só depois de formada, diz mamãe cheia de orgulho. [Este colchetes são para falar algo bastante pessoal em relação aos fatos aqui relatados, e a outros tantos, que já tive o desprazer de presenciar. Muitos pais têm uma noção equivocada para criar sua prole: acham que proporcionando tudo o que eles não tiveram aos filhos, enchendo-os de mimos e vontades, darão uma educação melhor para eles – pobre ilusão]. Uma vez forçou mamãe a comprar um fichário de setenta reais só por achar que por causa desse apetrecho pareceria mais inteligente. Até que ela é inteligente, só tem preguiça de utilizar o cérebro. Quase ia esquecendo duas coisas importantes. Primeiro, ninguém pode desligar o computador que ela dá um chilique. Segundo, ela tem um namoradinho igualzinho a ela. “Quem com porcos se mistura farelo come”, já dizia minha doce vovozinha.
O que dizer de uma mulher batalhadora, honesta e de natureza firme que faz de tudo para dar a filha tudo que ela mesma nunca teve? Acorda às quatro horas da manhã todos os dias. Deixa tudo pronto para o seu “bebê”. Trabalha como faxineira, lavadeira, copeira, manicure, cabeleireira, cozinheira e babysitter. Não tem homens. Há muito tempo se fechara para as relações. As más-línguas dizem que o companheiro fugiu com um gay rico. Ela matou a mulher que habitava seu corpo e decidiu fugir da companhia de outros homens, enfraquecendo seu sangue para atender às “necessidades” do seu bibelô. Esta fuga está levando-a lentamente à sepultura.
Frequentemente, após sua corrida desenfreada pelo sustento, ela chega às 23h e se depara com uma visão aterradora: pilhas de pratos sobre a pia, roupas pela casa, móveis fora do lugar. É como se um tsuname invadisse a casa e tirasse tudo do lugar. – Iiiii! O que é que você quer mãinha?! Que saco! Só chega pra reclamar. – E assim, mãinha vai arrumar os destroços. Após o banho e quase pegando no sono, ouvi a voz do seu tesouro – Mãe tô com fome! – Minha filha, sua mãe tá cansada. – Porra! Você não faz nada que eu peço. – Uma olhada no relógio a faz perceber que são quase duas da manhã. Filhinha começa a chorar. Ela se levanta. Prepara o lanchinho da noite: Nescau, dois hambúrgueres, dois ovos fritos, bacon e queijo. – Só isso, que casquinhagem! – Não agradece.
Lentamente surgiram as doenças: bico de papagaio, bursite, alergia a produtos químicos, lordose, artrite, pedras na vesícula e rins e um pequeno enfarte. Certa vez, num domingo, teve uma aguda crise de vesícula, e foi, absurdamente, necessário que a vizinha, ao ouvir os gemidos, arrombasse a porta para levá-la, às pressas, para o pronto-socorro. Filhinha estava fazendo as unhas e escutando música no iPod, não ouvira os gemidos de mãe. No retorno, a vizinha passou uma descompostura em filhinha. Contudo, mamãe convidou a vizinha para se retirar e foi fazer cafuné no seu bibelô afogado em lágrimas. Filhinha ergueu a cabeça e disse. – Mãe tô com fome!