Um momento vespertino - Cem dias sem laços - Cap. VI
_Sabia que existem de 319 espécies de beija-flores?
Alberto voltou-se surpreso, pensava em surpreendê-la na saída do trabalho e foi surpreendido, absorto ao olhar um beija-flor que se esbaldava na profusão de flores que vicejavam na praça bem cuidada, nem a percebera se aproximar.
_São dados atuais?
_Nem tanto.
_Sabe que podiam ser bem mais?
_E por que não o são, seu sabido?
_Durante o século XIX milhares de beija-flores foram mortos para satisfazer a vaidade das mulheres européias.
_Ângela piscou aturdida, a erudição do novo amigo a deixava tonta, de certa forma a inibia. Havia lido recentemente aquela informação sobre a quantidade de espécies, o que lhe ocorreu no flagrante de sua contemplação à pequena ave, contudo não sabia ir além daquele ponto. Alberto, pelo contrário falava com segurança:
_A moda européia havia estabelecido como muito chique o uso de jóias e ornamentos feitos com as plumas do minúsculo pássaro. Há informações de que um único negociante de Londres chegou a importar das Antilhas 400 mil plumagens completas.
_Os lindos olhos de Ângela estavam ainda mais vivos, dado seu interesse no assunto. Mas Alberto sabia deixar em suspense uma palestra, com a clara intenção de prender sua ouvinte.
_Vamos ficar aqui de pé falando de beija-flores?
_Porque não?
Ela sorriu inocentemente.
De pé ali, abraçada a seus livros, a jovem professora parecia mais uma colegial. Ele sentia por ela algo que jamais sentira antes por qualquer mulher, não era propriamente uma atração física. Não tinha, aliás, que explicar nem para si mesmo, nem para quem quer que fosse. Gostava daquela presença doce, sua voz macia, seu sorriso de criança, o cheiro de seus cabelos longos tocados pelo vento da tarde, suas mãos delicadas e bem tratadas. O jeito de menear a cabeça num trejeito gracioso. Tinha ímpetos de abraçá-la, de afagar seus cabelos, de tomá-la para si, de protegê-la, mas mantinha seu auto controle, era necessário. Era como espreitar uma caça muito arisca, um passo em falso e ela alçaria vôo.
_Vamos, fale-me mais dos beija-flores?
Puseram-se a caminhar lentamente à sombra das árvores da praça. O burburinho da fonte e a algazarra dos pardais ajudavam a quebrar o marasmo da tarde. Ela aguardava, olhando-o de soslaio encantadoramente.
_Há uma espécie muito rara, conhecida como beija-flor-de-cauda-de-raquete que por 40 anos os ornitólogos consideraram extinta. Seu único exemplar foi reconstituído a partir de uma pele preservada. Hoje, porém, sabe-se de alguns exemplares vivendo num pequeno vale situado a 3.000 metros de altitude nos Andes peruanos. Um último reduto da outrora numerosa linhagem.
_Porque tem o nome de cauda-de-raquete?
_Porque em vez das dez penas que a maioria dos beija-flores possui na cauda eles têm apenas quatro, duas das quais se cruzam formando um arco. Isso lhes valeu o apelido.
Tão enlevada estava a moça que Alberto continuou falando das inúmeras espécies de que tinha conhecimento. Os hábitos curiosos de algumas como do beija-flor-pescoço-de-rubi que empreende um vôo ininterrupto de aproximadamente 800 quilômetros ao emigrar anualmente dos trópicos para o Canadá, sobrevoando todo o golfo do México. A parte que mais a impressionou, no entanto, foi a do coração da pequena ave que corresponde a 60% do peso total do seu corpo, o que lhe dá tanta resistência para seu vôo. Depois da aula de ornitologia ela disse a frase que foi sempre o ponto de divergência entre os dois:
_Deus é maravilhoso!
(Este vai especialmente para o amigo poeta Chico Chicão, admirador de Ruschi)