As redes de relacionamento da Internet e a solidão

Filho de mãe solteira, Eric nunca conhecera o pai. Foi segredo levado pela mãe ao túmulo aos 28 anos, vítima de acidente de carro. O menino crescera sob os cuidados da avó, desde os oito anos. Na casa era só ele e avó Marilda, viúva de pouca conversa e quase nenhum relacionamento. Recolheu-se após a morte do marido, depois de quase trinta anos de casados.

Menino estudioso, foi adolescente exemplar. Suas horas de lazer eram dedicadas ao computador, presente de aniversário ganho de sua avó, ao completar quinze anos. Primeiro eram os jogos on-line. Depois, aos dezoito anos, um amigo o introduziu no Orkut, Facebook e no MSN, que fazem parte da rede de relacionamento disponível na Internet. Elizete ele conheceu pela página do Orkut, cujas conversas iniciais foram um tanto mornas, pois se passaram muitos meses para se conhecerem pessoalmente. No dia das apresentações trocaram endereços de e-mail e MSN, primeiro passo para um namoro sério. Por falta de tempo dela, que trabalhava durante o dia e estudava à noite, Eric estava sempre de computador ligado, esperando a namorada chamar. Foi assim até se casarem, acontecimento ocorrido dois anos depois daquele primeiro contato pessoal e na data da formatura dele em medicina.

Durante o tempo de residência, que o obrigava a cumprir plantão quase que três vezes por semana, eles passaram a se comunicar via celular com opção de Internet. Já era mania para os dois se comunicarem por esse meio. O amor entre eles crescia a cada dia, se estavam desocupados e longe um do outro o computador com 3M facilitava o contato. Compraram até um netbook, isto é, dois, um para ele e outro para ela. Menor e mais leve, e servindo para o mesmo propósito, o netbook podia ser acionado de qualquer lugar, no restaurante, na livraria, aonde ele gostava sempre de ir para comprar livros, coisa que não fazia sem antes consultar Elizete, que aprovava ou não os títulos escolhidos pelo marido. Eles tinham os mesmos gostos, mas às vezes Eric precisava demonstrar um pouco de independência. A mulher sabia disso e consentia que ele comprasse livros que não eram de seu agrado. Assim, na biblioteca dos dois podiam-se encontrar autores brasileiros e estrangeiros. Entre os brasileiros, Fernando Veríssimo e de seu pai Erico Veríssimo, Carlos Drummond de Andrade e seus poemas, Ferreira Goullar, Vinícius de Morais e outros. Dos estrangeiros, eles tinham "O caçador de pipas" e "A cidade do sol", do afegão Khaled Hosseini; "O livreiro de Cabul", da norueguesa Asne Seierstad; "A sombra do vento", do espanhol Carlos Ruiz Zafón, "Amy & Isabelle", da americana Elizabeth Strout e outros.

Para tudo eles planejavam, até mesmo o nascimento do primeiro filho, marcado para três anos após o término da residência médica de Eric.

Era o ano de 2008, julho. Depois de seis meses de uma gravidez de alto risco, o bebê e a mãe não resistiram ao parto, apesar de todo o esforço da equipe médica. Ela por eclâmpsia, ele pela prematuridade e baixíssimo peso.

Para Eric, foi como se o mundo caísse sobre sua cabeça. Um véu escuro empanou a sua vida. Dois meses de recolhimento total e depressão. Quase perde o emprego, um amigo médico psiquiatra o ajudou bastante a sair dessa situação. Aos poucos ele foi retomando sua vida, só não chegava junto do computador.

Certa noite um amigo o convidou para um jantar em sua casa, era o aniversário de Paulo, filho mais velho desse amigo. Chegando lá, ficou sabendo que o adolescente era aficionado por computador e se chegou a ele. Conversaram quase a noite toda, Eric até acessou a sua página de relacionamento do Orkut, tinha muitos scraps. Não leu e nem respondeu a nenhum. Mas apagou todos relacionados à Elizete. Fez assim também na caixa de seu e-mail. O MSN não abriu.

No sábado seguinte, em casa, voltou a abrir o seu computador. Já com um plano em mente procurou um site de bate-papo e conversou longamente com uma internauta de codinome Regina. Chegou até a marcar um encontro com ela para o próximo sábado, o que aconteceu em uma praça pública. Ambos deram suas marcas de identificação. Ele de tênis e calça brancos e camisa azul de malha, sem estampa. Ela de jeans azul, blusa verde e sapatos fechados, altos e vermelhos.

Não foi difícil a identificação, se apresentaram e se dirigiram a um bar próximo. Não que a intenção dele fosse para beber algo, mas para ter mais comodidade para falar com Regina e o que ele pretendia dela.

Em poucas palavras contou sua vida com Elizete, a mania e necessidade de conversarem pela Internet e as mortes da esposa e do filho. Comovida, Regina perguntou o que ele queria dela. Um pouco atrapalhado, Eric pediu para que ela ficasse à sua disposição na Internet e conversasse todas as vezes que ele chamasse. Era um compromisso de emprego, ele pagaria um ordenado para ela, o valor do provedor e também daria um netbook com tecnologia 3M, para eles se conectarem de qualquer lugar.

No princípio, Regina estranhou aquela proposta, mas ao ver o desespero do rapaz, disse que pensaria e logo daria uma resposta. Eric, já mais confiante, esclareceu que não rolaria sexo entre eles e que eles não mais se encontrariam. Todas as dúvidas seriam esclarecidas via Internet. O salário da jovem seria depositado mensalmente em uma conta-corrente, aberta no nome dela especialmente para esse fim. As exigências impostas: os chats entre eles deveriam ser confidenciais e tratariam sobre diferentes assuntos, ela não poderia se abster de responder a quaisquer de seus questionamentos. Para que as conversas entre eles tivessem caráter mais real, ela deveria também questioná-lo, reprovar seu comportamento quando necessário, opinar sobre a aquisição de livros e filmes alugados em locadoras, demora em chegar em casa e controlar seus passeios. O mais importante, ela deveria cobrar mais estudos sobre a especialidade médica dele, cirurgia cardíaca, principalmente sobre a evolução de cardiopatias que apresentam resolução cirúrgica como forma de tratamento.

Regina, com seus grandes olhos verdes arregalados e bastante assustada pelas exigências impostas, só balançava a cabeça afirmativamente. Ela sabia que seria tarefa árdua caso aceitasse este estranho emprego, mas saiu do encontro com a certeza de que daria conta do recado. Eric era bonito, de conversa agradável, e com uma carreira médica brilhante pela frente. Se não aceitasse esta proposta, poderia ser responsável pelo fracasso pessoal e profissional do homem que, à primeira vista, lhe pareceu espetacular. Com seus botões conversou: quem sabe eu não o satisfaço totalmente e o nosso contrato de trabalho vire casamento? Sou bonita, inteligente também e capaz de agradar plenamente a um homem como Eric.

Até hoje eles se comunicam via Internet, cumprindo à risca o contrato estabelecido por ocasião do encontro no bar. Regina ainda não perdeu a esperança de fisgar aquele homem maravilhoso.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 15/02/2012
Reeditado em 18/11/2014
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