A COLEGA

Pequenina, viúva há trinta anos, entrou em depressão devido à solidão em que passou a viver depois que os filhos se casaram.

O doutor lhe disse:

- A senhora precisa se distrair, passear, ver gente e conversar. Por que não faz uma viagem? Tenho certeza que voltará uma outra pessoa.

Animados com o conselho médico, os “meninos” fizeram uma “vaquinha” e arranjaram-lhe uma excursão.

No dia da partida, recomendaram-na ao guia que, com experiência no ramo, colocou-a junto de outra viúva.

- Sua bênção, mãe! Vá com Deus e aproveite bastante o passeio!

- Volte com a carinha melhor, mami! Nada de tristeza e divirta-se, viu?

- Telefone quando chegar e não se preocupe conosco! Te amamos!

Assim que o ônibus partiu...

- Que coisa linda os seus filhos! Por que o seu marido não vai com você?

- Porque sou viúva.

- Eu também. - e tirou um lencinho do bolso. - Para ser mais precisa, tem oito dias e dez horas que Afrânio faleceu. Parece que é mentira.

- É a vida. Deus sabe o que faz. Não viemos a este mundo para ficar para semente.

- Mas ele não podia ter morrido. Era uma pessoa tão boa, tão querida, tão...

- Se você não reparar, vou recostar a minha poltrona para tirar um cochilo.

- Fique à vontade, colega. Afrânio só viajava assim. Agora, faz oito dias e onze horas que ele se foi. Não me conformo.

Fingindo dormir para escapar daquele papo terrível, Pequenina pensou:

- Porcaria. Não tinha outra pessoa para colocarem do meu lado? Vou ter que ficar o tempo todo revendo um filme triste que até fui coadjuvante?

Na terceira parada.

- Puxa, como você dorme! Está fazendo nove dias que o Afrânio morreu.

- Vamos descer e fazer um lanche? Assim, você esquece o falecido.

- Não, vá sozinha. Não quero me esquecer dele nem um minutinho.

Na volta.

- Se o Afrânio estivesse aqui, já teria feito amizade com todo mundo. Faz nove dias e quinze minutos que ele partiu. O que será de mim?

- E de mim, também? - pensou a companheira de infortúnio.

Na pousada, em Morro de São Paulo.

- É a sexta vez que venho aqui. Este era o lugar preferido do...

Antes que ela terminasse a frase, a mulher desejou-lhe uma boa noite, benzeu-se, caiu na cama de sapato e tudo e virou-se para o canto.

Três dias depois.

- Mami, por que demorou a ligar? Está aproveitando o passeio?

- Quero ir embora a-go-ra! Por favor, venham me buscar!

- Não está gostando do passeio? O que aconteceu?!

- Tem doze dias, quatro horas e três minutos que o Afrânio morreu.

- A-f-r-â-n-i-o? Que Afrânio é esse?! Como a senhora sabe disso?

- Minha colega não me deixa esquecer do defunto.