Não quer dizer...
E quando nada está dando certo...
Quatro horas de espera, mas parece que finalmente Arthur vai poder pegar o seu voo.
Tudo parecia estar dando errado, o relógio não despertou, o gás acabou, a chave emperrou, o ônibus quebrou, o taxi quebrou, o outro taxi também quebrou, o voo atrasou, atrasou, atrasou. Mas pelo jeito as coisas estão se acertando, sorte que Arthur é um cara prevenido, marcou os compromissos pra noite, “caso de alguma coisa errada, eu não corro risco”, diz Arthur ao ser questionado por que é tão metódico.
Agora Arthur está se encaminhando para a sua poltrona e logo estará nos braços da sua amada.
- Senhor, o senhor vai ter que desligar o celular senhor.
- Mas o voo ainda está em solo. – tirando o celular para o lado.
- Senhor, sinto muito, mas não é permitido, senhor.
- Mas é que eu tenho que avisar que estou entrando no avião.
- Regras são regras, senhooor!
“mimimi, mimimi, senhooor...”.
Arthur desliga o celular e vai em direção a sua poltrona, uma senhora que está a sua frente vai conferindo numero a numero, como alguém que acaba de pegar o resultado da mega-sena, a impressão que dá é que quando ela encontra a poltrona certa vai gritar bingo. Ele olha por cima do ombro da senhora e vê que o numero da poltrona dela é o vinte e cinco, ou seja, é bem lá pra frente. Ela continua com a conferencia, vai que trocaram o vinte cinco pelo oito só de sacanagem. Ele para de acompanhar, pois chegou a sua poltrona. Tem alguém sentado no lugar dele. Artur olha para o bilhete, olha para a pessoa, olha para o bilhete, para a pessoa, repete isso mais umas cinco, sete, doze vezes, pra ver se a pessoa se toca, nada. Ele usa o sistema da “pigarrada”, o sistema da pigarrada é utilizado desde os tempos mais primórdios, pelos homens das cavernas pra avisar que o companheiro estava puxando o cabelo da mulher errada. Como naquela época eles não falavam tinha que achar uma forma de dizer algo, sem precisar falar. Assim foi criado o sistema da pigarrada. Então desde o tempo das cavernas nós usamos desse toque. Afinal de contas: uma pigarrada vale mais do que mil palavras.
A aeromoça nota que algo está acontecendo de longe, esse é o serviço dela, evitar qualquer tipo de contratempo. A aeromoça é uma espécie de escoteira do ar. Sempre alerta.
- Senhor está tudo bem? O senhor quer uma agua?
“Não, não está tudo bem. Eu não quero água nenhuma, eu quero meu lugar que esse gordo pegou.” – Isso é o que Arthur pensa.
- Não, estou bem. – Isso é o que ele fala.
A conversa entre os dois faz com que o individuo que está sentado no lugar de Arthur veja que algo está acontecendo, finalmente. Arthur repete o sistema de olhar para o bilhete, olhar para a poltrona agora com o colega de viagem o olhando.
- Eu estou sentado no seu lugar? – diz o gordo.
- Sim, o meu é o onze A.
- Ah, o meu é o onze B, eu jurava que o B era aqui.
“Eu não quero saber qual é o seu. Só quero que você levante essa bunda gorda do meu.”
- Mas não é, é a do lado.
- É, do ladinho.
- Sim!
- Será que você não se incomoda se eu ficar sentado aqui?
“Claro que eu me incomodo, eu escolhi meu lugar na janela pra poder encostar a cabeça no vidro, dormir e ter a sensação que estou com a cabeça nas nuvens.”
- Bem, é que...
- Porra obrigado. Você é bem legal. Quer saber eu vou retribuir isso.
“Como? Saindo do meu lugar?”
- Ah vai?
- Sim. Pode sentar no meu lugar.
- Olha, obrigado.
Da direção da cabine vem a aeromoça.
- Senhor, sera que tem como o senhor se acomodar, senhor? É que estamos atrasando por causa da fila que está se formando atrás do senhor, senhor.
“Quer dizer que o voo está atrasado culpa minha. As três horas que estamos esperando é tudo culpa minha, eu estou tumultuando e empatando a vida desta gente toda?”
- Senhor, senhor.
- Oi.
- Será que o senhor pode se acomodar, senhor?
“Senhor, mimimi, senhor!”. Pensa Arthur e senta.
“É não adianta ficar de mau humor, esse tipo de coisa acontece, e é como dizem coisas ruins são precedidas de coisas boas, talvez algo de bom está para acontecer, os pequenos gestos, uma hora o outra são recompensados...”.
Uma mulher, com cara de louca, cabelo de louca, roupas de louca... Pelo jeito ela é louca, para bem na fileira de Arthur. Ela olha para o bilhete, olha para o Arthur, para o bilhete, para ele. Arthur entende o que está acontecendo, afinal de contas ele acaba de passar por isso. Mas agora ele já está acomodado. Talvez se explicar a situação para a mulher, ela sentara no meio.
- Eu estou no seu lugar, né?! – pergunta Arthur sem graça.
A mulher assente a cabeça como uma louca.
- É o onze C?
Novamente assente, agora de uma forma um pouco mais normal.
- É, na verdade o meu é lá na janela, mas eu cedi o meu lugar para aquele senhor. Será que teria como você...
- Não.
- Oi?
- Não, não posso sentar no meio. Eu não queria nem estar aqui, esse avião vai cair.
- Ãhm?
Ih, lá vem a aeromoça.
- Posso ajudar senhora?
A louca entrega o bilhete para a aeromoça.
- O senhor está no lugar dela senhor?
- Sim, mas é isso mesmo que eu tava explicando.
- As poltronas são escolhidas antecipadamente pra não termos esse tipo de imprevisto senhor.
- Sim, eu sei, mas...
- Mais alguém aqui está no lugar errado? – grita a aeromoça para todos no avião.
- Viu senhor, pelo jeito é só o senhor, senhor!
Arthur olha para o gordo, que está de fones e pelo jeito não escutou a pergunta, ou fingiu que não escutou. Agora as duas olham com cara de louca pra ele. Ele levanta, senta no meio, o gordo também levanta.
Agora estão os três acomodados.
- Aqui quem fala é o co-piloto, Vitor, que fala diretamente da cabine de comando.
- Olha aí que bom que você está na cabine. – retruca o gordo fazendo graça.
- Gostaria de pedir desculpas pelo atraso.
- Negativo, não vamos desculpar, assim que aterrissarmos terei que falar com a sua mãe.
- Não foi culpa nossa, é a culpa do tempo.
- É isso que a minha sogra fala.
- Vamos fazer o máximo para que essa viagem seja a mais confortável e agradável para todos.
- Agradavel até pode ser, mas confortável, nessas poltronas? Duvido muito.
- Esse avião vai cair. – sussurra como uma louca.
- Fiquem com as instruções de segurança e depois voltamos da cabine de comando.
Desliga.
- Aqui quem fala é a aeromoça Martiele, junto comigo no time de comissárias está a Priscila e a Patima.
- Patima?
- Peço a atenção de todos para as instruções de segurança.
- Patima, que porra é essa uma mistura de patrícia com fatima? Patima...
- Mascara de oxigênio caíram.
- Mascara de cerveja não tem não?
- Mascara da morte. – sussurra novamente a louca.
- Os assentos são flutuantes.
- Agora eu entendi por que não são confortáveis, por que flutuam. Já viu a roupa do super-man? É confortável? Não, mais é flutuante.
- Ladies e gentleman...
- Aí eu já vi isso. No meu sonho. O avião vai cair.
- Eu também já vi isso, todo voo elas fazem isso...
- Você não sabe de nada. Vai morrer também!
Lá vem a Patima.
- Senhor, o senhor tem que colocar seu cinto senhor.
- Eu sei, mas é que ele...
Arthur olha o para o gordo.
- Ei você está em cima...
- Desculpa, estou em cima do seu cinto?
- Não, da minha mão.
O gordo levanta ele tira a mão debaixo dele. A mão está dormente.
- Agora tem como o senhor colocar o cinto.
- Sim.
- Esse voo vai cair. – levanta a louca gritando.
- Senhora acalme-se. – fala a aeromoça. – senhor coloca o cinto.
- Eu to tentando.
- O senhor não viu a instrução, senhor?
- Sim, mas está quebrado.
- Aí, agora se o avião cair você não vai se salvar.
- Você também viu que o avião vai cair. O AVIÃO VAI CAIR. – grita a louca.
- Senhora, quer parar. Senhor enquanto o senhor não colocar o cinto não vamos levantar voo.
- Mas eu to tentando.
- Não coloca, se você colocar todos nós vamos morrer.
- Senhora ninguém vai morrer.
- Vamos sim.
- Não todos nós, só ele por causa do cinto. E do celular.
- Senhor o senhor não desligou o celular, senhor?
- Desliguei.
- Eu já vi isso também.
- Já viu o que senhora.
- Tudo.
- De javú.
- Desliga o celular senhor.
- Não, premonição.
- O filme...
- Vamos morrer.
- De javú é melhor do que premonição.
- Senhor, coloca o cinto senhor.
- A GENTE VAI MORRER!!!
- Não é a gente, é nós.
Arthur apaga.
- Filho. Filho.
- Eu já desliguei.
- Desligou o que?
- O celular.
- Que celular? Você não tem um voo.
- Mãe.
- Acho que sim.
- Eu to em casa?
- Você ta bem?
- Eu to em casa!
- Ta... Mas não era pra estar, você não tem um voo pra pegar?
- Meu voo...
Levanta da cama de sopetão.
- Voltamos ao normal.
Pega o celular e liga para alguém.
- Alo... Oi... Amor... Perdi a hora aqui e acho que não vou hoje não... Da... da pra eu pegar outro, mas to com um pressentimento ruim... Nada só um sonho que eu tive... Pesadelo... Besteira... Não, não precisa se preocupar... Pensando bem acho que vou, se eu correr da tempo de pegar ainda... vai ver foi só um pesadelo... Ta então vou desligar pra correr... Não se preocupa foi só um sonho... tchau, beijo, até daqui a pouco.
Desliga o celular.
- Mãe, coloca água pra esquentar para passar o café...
- Ih, acabou o gás. – grita a mãe da cozinha.
Arthur para. Lembra-se do sonho. Pensa. Silencio.
- Não tem problema, eu tomo café no aeroporto.
...Não quer dizer que nada vai dar certo.