Em Um Beco da Alfama

Vais ver, é um ótimo restaurante. Sempre que venho a Lisboa tenho que comer o bacalhau do Adamastor. Percorriam as ruas calçadas da Alfama, subindo e descendo, até chegar a uma rua curta, onde se escondia o restaurante de uma só porta. Dentro, poucas mesas, apenas uma ocupada por um casal. Utensílios náuticos compunham a decoração das paredes. No fundo, um balcão em boa madeira exibia uma garrafa de vinho do porto e algumas pequenas taças, mas por trás dele não se via o proprietário. Lauro serviu a si mesmo e ao amigo da bebida tradicional de sua terra e chamou pelo velho conhecido. Ele apareceu, ficou muito feliz, apertou com entusiasmo as mãos de ambos, sugeriu que se sentassem.

E como está Nova Iorque? Ah, aquela loucura de sempre, mas eu acho que não consigo mais viver sem, a gente se acostuma. E Lisboa? Estão difíceis as coisas, o senhor sabe, a crise... Há que ser forte, Adamastor, trabalhar e ter fé que isso vai passar. Verdade, senhor Lauro, mas o movimento caiu muito, as pessoas não vão mais a restaurantes. Podes buscar outra fonte, ser criativo, a crise pode ser uma oportunidade, sabe? O proprietário olhou confuso, um pouco ofendido. O gajo que o ajudava apareceu e anotou o pedido, que era o mesmo de sempre, e trouxe água para todos.

Verdade, Adamastor, tu talvez não acredites, mas a crise foi boa para mim. No começo não, tive perdas, mas quando as ações viraram pó eu tinha o capital para comprar, e depois de dois anos, quando elas se recuperaram, eu tive um lucro enorme. Ou então nas minhas operações de arbitragem, em que apostei contra o euro, também me saí muito bem. É tudo uma questão de perspicácia. Adamastor, que ouvia desanimado, alisando o pano que trazia pendurado ao ombro, suspirou. Tudo que eu sei fazer é cozinhar, senhor Lauro, este restaurante pertenceu a meu pai, eu me orgulho de levar a tradição adiante. Mas se as coisas continuarem assim, não vale a pena nem seguir a funcionar. Eu já estou a procurar outro emprego, mas não está fácil achar, e, como disse, só sei cozinhar. Eu nem sei o que é uma ação, arbitragem muito menos; não tenho capital, se é mesmo o que estou a pensar. O senhor como acha que a crise pode ser boa para mim?

Lauro prometeu que ia pensar um pouco e Adamastor, quase às lágrimas, disse que precisava voltar à cozinha. Os dois amigos conversaram um pouco, o casal chamou o gajo e pagou a conta, e dali a pouco chegou o bacalhau, uma garrafa de vinho verde acompanhando. Enquanto comiam, Lauro elogiava a refeição e lamentava a perspectiva de que o restaurante fechasse as portas, ou a única porta. O amigo provocou: não gostas de investimentos arriscados? Por que não compras o negócio? Passada a crise, ele volta a dar lucro, e a tradição não se perde, teu amigo terá um salário fixo, e terás mais um motivo para voltar a Lisboa: todos saem bem. Lauro olhava pensativo: soava bem, mas ele acreditava no valor do esforço pessoal, detestava condescendência. Precisava conseguir outra solução.

O amigo agradeceu pelo melhor bacalhau que já comera, e já consumiam os pastéis de nata quando Lauro teve um estalo. Pediu ao gajo que chamasse o dono, que se sentou com eles. Adamastor, meu caro, eu disse que a crise pode oferecer oportunidades. Eu sei exatamente o que você pode fazer para complementar a renda e manter o restaurante aberto. Tu sabes como muita gente se desespera e deixa o país em busca de outras oportunidades. Que posso dizer eu? De certa forma foi exatamente o que eu fiz. Não importa, o que ia dizer é que conheço portugueses nos Estados Unidos que trabalham com imigração, você sabe, clandestina. Se tu concordares, podes trabalhar recrutando portugueses que queiram ir pra América, não corres risco algum, e tirar um bom dinheiro nisso, que pensas? Adamastor havia escutado a ideia do amigo de Lauro, ficou decepcionado. Sua honestidade tentou argumentar, mas foi vencida pela urgência da situação.