Meu Carnaval
Eu gostava do carnaval. Sobretudo dos antecedentes. Via, com espasmos, os acessos de alegria que se apossavam das pessoas, inclusive do OZ, um rapaz maltrapilho que com muito custo conseguia algo pra comer. Podia-se, segundo ele, se divertir a beça. Mas no íntimo, acho que aquela explicação infundada só era um subterfúgio para uma panaceia de suas angústias, assim como mamãe ia à igreja acreditar numa entidade ou lei superior que lhe aliviasse as dívidas e lhe desse o tão desejado sossego dos justos. Ao menos, é verdade, ela agarrava-se a um fio de esperança e com esse fio tecia sua crisálida.
Eu realmente gostava do carnaval. Em especial dos anúncios carnavalesco na televisão, que se encaixa nos antecedentes. Ficava horas a fio na frente da televisão vendo com arroubos de prazer aquelas mulheres carnudas a dançarem, e rebolarem, e girarem, e sorrirem. Tinha doze anos. Papai, experiente, assim que via as mulheres na tela da televisão, mudava o canal. Para não dá na teia, eu fingia não me importar, até exortava o velho. Meu pai grunhia de sua poltrona, remexendo-se e me olhando de soslaio, como me analisando. Ademais, ele não conseguia me policiar o tempo todo. Sem ele, eu continuava a assistir os tais programas carnavalesco. Fazia o melhor possível para gravar aqueles rosto e contornos, trejeitos e cores. Fazia-o com grande esmero.
Certa feita, e de quando em vez, papai, vendo-me demorar um tempo um tanto inexplicável no banheiro, perguntou-me: “Por que a demora no banheiro, menino? Se aprume, rapaz!” Eu se apoiava numa dor de barriga tirânica, e ele grunhia novamente e ia embora, desconfiado.
“Esta cultura de nudismo acaba com os meninos”, protestava papai com mamãe, com um fio de dor e remorso. Mamãe respondia-lhe que Deus resolveria tudo, que não se preocupasse. Papai, por sua vez, grunhia.