Meninos de rua: o nascimento
A história de nascença das crianças de rua não está envolvida em felicidade e sim em instinto. Instinto de sobrevivência, de perpetuação da raça fraca das posses e fortes das pernas. Os becos vomitam sem parar o fruto marginal. Marginal da beira do canal da Agamenon Magalhães, da beira do Capibaribe e de cada foço cavado onde escorre a água impura da cidade.
A reprodução se dá ao vento, em tempo curto, a menina arrastando ainda a boneca suja que embalava suas noites até dias desses. Pequenas buchudas, transitam pela cidade carregando no ventre um pingo de vida, condenado a ser pingo pelo resto de sua vida. Dentro da mãe, conserva o corpo ébrio, dos grandes porres de cola alimentando-a pelo cordão umbilical. Suas viagens são incômodas, a mãe também acha. É um peso a mais, e o sentimento que os nutre verdadeiramente não é amor. Ou é amor amargo. Do peso do fardo que tem que arrastar nove meses a fio. Quando não conseguem a antecipação prematura do pequeno rebento.
O nascimento não está envolvido no que nos conta às escrituras. Não há manjedoura, não há reis magos. Dentre os animais do magro presépio, participam cachorros, gatos. Não há ovelhas, não há uma vaquinha. Nem vaquinha para comprar a massa do mingau. O que há realmente são molambos, trapos de pano e gente misturada em dor e contrações. Uma agonia que parece não ter fim, mas que se repete a cada ano, com a mesma menina.
Outras crianças assistem o nascimento do filho da rua. O pai criança nem sempre participa, nem sempre se sabe como pai. Nem mãe às vezes se sabe como mãe ou quem é o pai. No Nordeste dizemos: são filhos de caranguejo. A mãe não sabe com qual daqueles que ela deitou gerou o pequeno rebento. Ele nascerá com a cara do mundo. Mundo esse, cruento, inoportuno.
Contrações e mais contrações. A criança se espreme entre as pernas finas da genitora menina. Não consegue ainda enxergar aquele mundo concreto, áspero, que a todos envolve. Procurará logo o peito. Mais cedo do que pensamos procurará se entorpecer de cola.
Embrulharam o Brasil em panos soltos, embrulharam o Brasil em panos sujos. Sua mãe, sem nome, talvez sem nada, colocou-o no colo, ninou-o até o sono chegar. E mesmo acordados ainda estão adormecidos, dementes.