Crise
Eu ganhei um novo relógio de parede, redondo de moldura preta. Faz “Tic Tac”. Não consigo dormir. Não durmo. Levanto e acendo a luz. Apago. Acendo de volta. Apago. Dou voltas no quarto. Olho a rua através das grades da janela. Está escuro, a lâmpada de um poste pisca. Eu sorrio. Nada acontece. Minha cabeça dói. Sento no chão e encaro o vazio branco da parede. A parede nada me diz. O mar não está atrás dela. Bato levemente a nuca contra essa parede vazia. O tempo passa. Tic Tac. E eu ali, mergulhado num desespero silencioso. Está quente, e abafado. Ligo o ventilador e acompanho com os olhos o girar de suas hélices sobre minha cabeça. Sobre minha cabeça. Se ele caísse do teto ainda ligado me fatiaria em pedaços. Mil pedacinhos de mim por todo o quarto, paredes vermelhas. Vermelhas e úmidas. Desato numa gargalhada escandalosa. Silencio repentino. Nada acontece. Rôo as unhas e os dedos. Mordo os lábios. Nada acontece. Tic Tac. Aperto os dentes. E a cansativa espera vazia, vazia na parede vazia. Vazia. Maldita espera. Como é cruel esperar assim, por nada. Pelo que não se sabe, pelo desconhecido. Gosto de ferrugem. Meu lábio inferior sangra. 3h da manhã. Só me suporto ali, apoiando a cabeça na parede vazia. Não há tempo. O mundo parou às 3h da manhã. Tic Tac. Não há nada, nada acontece. Só o branco da parede e o gosto do sangue. Tic Tac, Tic Tac, Tic Tac, Tic Tac, Tic Tac.Ensurdecedor. Não há sono. Não há nada. Acendo e apago a luz. Há de passar... há de passar. Tic Tac. Tic Tac.... Só a espera. Só o calor. Só o gosto do sangue... Só a espera... Só a espera...