Coelhos por lebres, gatos por coelhos.

Acordei com um gato branco me encarando. O que foi estranho, não pelo fato daquele não ser o meu gato ou por eu desconhecer a forma como ele entrou, mas por ele ter um leve estrabismo. O fato é que ele estava ali, no criado mudo ao lado da cama, parecia me olhar, mas não tenho certeza por causa do desvio em suas pupilas. No começo foi um susto, eu o encarei com olhos esbugalhados, em questão de segundos ensaiei um movimento e o felino pôs-se correr. Não procurei saber sobre seu paradeiro e voltei a dormir. No dia seguinte o vi na cozinha, e mais uma vez ele desapareceu repentinamente. Alguns dias depois, numa noite de domingo. Cerca de 1h da manhã. Eu estava morto. Não, não morto de morte. Morto de vida, falta de criatividade, tédio e insônia. E qualquer outra coisa que eu poderia usar como drama. Deitado, sem sono e encarando o ventilador. “Se caísse eu seria fatiado. Fatiado...”. Levantei e fui à cozinha procurar alguma coisa que me ajudasse a dormir. Mas daí lembrei que estou evitando drogas licitas. Acendi a luz e tomei um copo d’água. Passei pela sala e liguei a TV. Baby do Brasil estava ”curando” a enfermidade de uma senhora com a ajuda de Jesus. Desliguei. Levantei e acendi a luz, mas logo esqueci o que queria. Tive mais um dos meus momentos “hã?” e varri a casa com o olhar, e de repente eu vejo uma alegre cauda flutuante por trás do sofá. Aproximei-me meio ‘gatuno’ e bam! O segurei pela cauda, mas soltei em seguida... O gato andou por toda a sala enquanto eu o seguia a certa distancia. Um momento ele parou e me encarou com todo seu estrabismo e elegância, deu meia volta, se agarrou nas cortinas e foi-se embora pela janela que esteve aberta durante toda a noite. “Então foi por aí? Quanta ousadia e audácia dessa criatura, invadir minha casa assim, e ainda por cima me olhar dessa forma...”. Eu poderia voltar a minha cama e reclamar de insônia pelo da noite, mas não, eu senti uma enorme necessidade de alcançá-lo! Foi então que eu, um ser racional, destranquei a porta, caminhei até a sarjeta. O avistei ao longe e corri bravamente em sua direção. O bichano, assustado, correu também. Eu não podia competir numa corrida com um felino, mas corri o mais rápido que pude. E ali estava eu, o ser racional, correndo descalço numa rua de São Paulo, usando uma calça listrada de um pijama velho, às 1h40 da manhã. Um sorriso estampado no rosto. Sorriso que crescia a cada passo. Corri como nunca. Quando percebi já estava um tanto longe de casa. Não o alcancei. Ele me driblou. Entrou numa espécie de beco onde só havia um homem encapuzado numa jaqueta azul claro escorado na parede. Eu achei melhor não arriscar e voltei pra casa. Com pressa e medo, e um ‘tiquinho’ de vergonha. Eu não parei de rir por todo o caminho, minhas bochechas ficaram doloridas. Cheguei em casa, tranquei a porta e subi para o quarto. Deitei em minha cama e sorri. Lembrei da jovem Alice, se fosse um coelho eu estaria no país das maravilhas (ou não), mas foi um gato, estrábico, e fez ainda melhor, me tirou de uma noite de ócio.

Cada um tem o coelho que merece.

WsCaldas
Enviado por WsCaldas em 06/02/2012
Reeditado em 06/02/2012
Código do texto: T3484096