Sabor do café
Chegou na padaria da esquina, encostou a barriga avantajada no balcão e pediu um café. Permaneceu ali, amaciando o mesmo copo por mais de meia hora observando o movimento. Ela entrou.
O café paralisou em algum lugar entre os dentes e a garganta, fazendo-o engasgar. Foi analisando minuciosamente aquele andar como quem assiste a um desfile na primeira fila. De relance tentou encolher o abdômen protuberante, sem sucesso. Reparou que o céu largara seu tom azul e tornara-se avermelhado.
A mulher sentou numa mesa próxima à porta, pediu um café e projetou seu olhar para o lado de fora. Ele continuou a admirá-la. Percebeu que vestia uma blusa decotada, mas não ousaria dizê-la vulgar. Quando o café chegou, a moça pingou duas gotas de adoçante. Tentou levar o copo até a boca, deixando a marca do batom vermelho na borda. Desistiu. Balançou o copo em círculos e mergulhou o dedo indicador afogando-o na bebida escura. Enxugou-o com a língua, para deleite de seu admirador que, do outro lado do salão, acabara de decretar, silenciosamente, o fim de seu casamento.