Um dia para não esquecer

Aquele domingo de 26 de abril era um dia muito especial. Na noite anterior comemorei meu aniversário de 54 anos com meus familiares e tinha ido dormir muito tarde, mas isso não impediu de acordar cedo para sair para uma caminhada com os amigos da AACS Maceió. Eu e minha companheira Lucineide chegamos ao ponto de encontro em frente ao Shopping Center Iguatemi e enquanto aguardávamos a chegada dos outros soube que a caminhada seria em homenagem à “Mochila”. Seria como uma apresentação à sociedade.

Não participei da caminhada pelo Caminho Lagunar realizada na Semana Santa e não sabia dos acontecimentos daquela jornada. O fato é que no dia que se iniciou a caminhada dois cachorros começaram a acompanhar o grupo e ao fim do dia já estavam batizados pelos caminhantes. O macho ficou conhecido por “Cajado” e a fêmea por “Mochila”. Cajado, um pouco mais disperso não chegou a concluir a peregrinação de cinco dias e evadiu-se. Mochila, mais dócil e bem comportada, persistiu e angariou a simpatia de todos e foi até o fim. A sua vida de abandono iria findar.

Terminado o Caminho Lagunar surgiu a dúvida. O que seria de Mochila! Aristóteles resolveu levá-la para casa e cuidar dela.

O ponto de partida da caminhada no domingo seria da casa do Aristóteles e quando cheguei lá sai em procura da famosa canina. Ela estava no jardim e expressava uma vontade louca de correr em direção àquelas pessoas, que não lhe eram estranha, e demonstrar a satisfação em revê-los. Sua personalidade acanhada não permitia expor a alegria e ela ficou ali com o rabo entre as pernas, orelhas baixas e olhar para cima, a espera que alguém se aproximasse dela e fizesse-lhe um carinho.

Chamei-lhe pelo nome e aproximei-me acariciando suas costas, cabeça e orelhas. Ela, ainda desconfiada, aceitou o afago e deitou no chão calmamente.

Todos falavam da educação de Mochila. Realmente, sentamos para tomar o café da manhã e ela ficou nas cercanias a espera que algo sobrasse para ela, mas não pediu nada nem se aproximou de forma impertinente. Ficou lá, tranquila, sabia que alguém lhe daria algo para comer.

Iniciamos nossa caminhada e Mochila, saltitante, nos acompanhou com galhardia. Dá até para imaginar o quanto ela se sentia feliz por estar no mundo com sua “família”. A trilha que fizemos passava por uma parte urbana e adentrava o Parque Municipal. Para nossa surpresa mochila não podia nos acompanhar dentro do parque. É proibida a entrada de animais. Sem questionamentos aceitou que se colocasse uma coleira improvisada de um cinto de um caminhante e ficou numa casinha que tinha na entrada do parque.

A caminhada dentro do parque é muito agradável, com várias trilhas por um bosque de vegetação de mata atlântica, onde se pode ver em completa liberdade saguins, pássaros e jacarés. Apesar de toda beleza que nos envolvia, minha mente não se afastava de Mochila. Imaginava como ela estava se sentido. Será que ela achava que seria abandonada de novo, que teria de viver perambulando pelas ruas, sendo agredida e minguando a boa vontade de algum samaritano. Acho que assumi aquele breve momento de angustia que Mochila experimentava. Não via a hora de voltar à entrada do parque e resgatar Mochila de seu sofrimento.

Quando retornamos e Mochila nos viu de novo foi como se ela soltasse um suspiro de alívio e correu em nossa direção com a cauda rodopiando qual uma hélice de helicóptero. Seus medos se foram, os amigos dela estavam ali e não a haviam abandonado.

Retornamos à casa do Aristóteles com a Mochila nos acompanhando toda faceira. Olhava para os outros cachorros da rua com a cabeça meio empinada esboçando um ar de princesa. Ela agora tinha de quem cuidar e quem cuidasse dela. Não estava abandonada.

Antes de nos despedirmos o Ari nos ofereceu cerveja para matar a sede, galeto e linguiça para saciar a fome e algumas frutas retiradas de seu próprio sítio. Mais uma vez a Mochila ficou educadamente à distância aguardando que lhe dessem algo, ela sabia que não seria esquecida. Ninguém sabia a raça dela, mas eu descobri. Ela é da raça peregrina.

Nos últimos momentos daquele encontro sentia-me feliz por tudo: pela caminhada, pelos companheiros da jornada, pela natureza e especialmente pelo carinho e leveza da acolhida do nosso amigo Aristóteles.

Este é um daqueles dias para não se esquecer.

Beto Leite
Enviado por Beto Leite em 04/02/2012
Reeditado em 04/02/2012
Código do texto: T3479614