VIRTUDES E DEFEITOS

VIRTUDES E DEFEITOS

I

Exupério, nome esquisito não, sempre foi uma pessoa revoltada. Também, pudera! Quando se deu conta de que era gente, se fez a pergunta: por que esse nome? O pai já havia morrido, e a mãe, pobre coitada, mal sabia entender das coisas do mundo, tão pequeno era o seu, vivido na roça.

Mas, Exu, vamos assim chamá-lo, apesar de todo esse seu passado, que bem poderia tornar-se mais uma vítima da ignorância, não se intimidou. Foi à luta. De início, como única perspectiva de sobreviver, agarrou-se naquilo que sempre esteve ao alcance da sua família: o cabo da enxada.

- Exu, acorda! O caminhão “tá chegano”. E lá ia ele, juntamente com os outros bóias-frias. O canavial ficava longe, levava bem umas duas horas de viagem. Dava tempo, então, enquanto os outros cochilavam, para tentar ler um livreto que, não sei como, caíra em suas mãos. Um, dois, três anos assim se passaram. Exu jamais perdia a oportunidade de ler. Lia de tudo, ainda mais que, com o passar do tempo, a leitura foi se aprimorando, e seu conhecimento se tornando maior.

Ficou sabendo, em um passeio dominical à cidade, que havia cursos supletivos à distância. Logo se matriculou num. De um pulo, se viu com o diploma de primeiro e segundo graus, com um pé na universidade. Nessa época, já com tudo delineado para seu futuro, com a economia feita ao longo desses anos, largou tudo e veio para a cidade grande, a fim de realizar seus sonhos.

O primeiro desafio, sem dúvida, onde morar? Conseguiu, por meio de uma pessoa que conheceu no ônibus de Ubá, Minas, até São Paulo. Um quarto, em casa de família, em Pirituba. Depois, como se manter? Deu sorte! Uma das moças, a Judite, filha do casal onde foi morar, trabalhava em uma lanchonete. Logo foi admitido como faz tudo: lavava prato, servia mesa, dava os primeiros passos como chapeiro. Trabalhava até as seis da tarde. Após, o cursinho para a faculdade.

Mas, nem tudo tem que dar certo. Algumas coisas começaram impedir a concretização dos sonhos de Exupério. Primeiro, um rabo de saia entrou na vida do moço. E quem? Lógico, Judite! Namorico daqui, namorico dali, aconteceu..., e a cegonha mandou um bilhete anunciando a entrega de encomenda para os próximos meses.

Mesmo assim, Exu continuou em seus projetos. Matriculado no cursinho para o vestibular, adveio o segundo contratempo. O seu nome! Não conseguia assistir as aulas. De toda parte, moças, rapazes, inclusive dos professores, nem bem entrava na classe, vinham as gozações. Como muitos não sabiam que Exu era, apenas, uma redução do nome, ligavam a palavra ao culto da umbanda, o que servia para aumentar o rol das provocações contra o pobre coitado. De tão grande magnitude foi o drama, que o clima ficou insuportável, e nossa figura principal não teve outra saída. Abandonou os estudos. Ia dar um tempo. Quem sabe, mais tarde voltaria.

Retornou à vidinha anterior, como balconista da lanchonete, chapeiro melhor dizendo.

Nascendo a criança, e como sempre foi um moço de princípios, casou-se com Judite.

II

Vamos encontrar nosso herói numa sala do Tribunal de Justiça. Bem trajado, barba feita, óculos, com o anel de grau vermelho, próprio da profissão de advogado.

- Doutor Francisco de Oliveira Silva, o senhor tem a palavra. Cinco minutos para a defesa do réu.

Pois é. Com o passar dos anos, Exupério, de início, providenciou a mudança de seu nome. Através de um advogado seu conhecido. Posteriormente, nunca havendo deixado de estudar por conta própria, aproveitando seu antigo gosto pelos livros, e pela leitura em geral, sentiu-se apto a enfrentar o vestibular. Prestou, e conseguiu ser aprovado numa faculdade do governo. Com certo brilhantismo formou-se, aplicado que era. Mesmo antes da formatura, já trabalhara em conhecido escritório, de forma que, logo logo tornou-se um profissional de renome. Importante, famoso, largou a família!

Naquele dia, perante uma das turmas do Tribunal de Justiça, defendia conhecido empresário, que estava sendo processado por haver lesado grande número de pessoas, num daqueles casos denominados como “crime do colarinho branco”. A sala estava repleta, tanto por boa parte dos prejudicados pelo réu, como por profissionais e estudantes de direito. O caso era famosíssimo!

Não importa, para nós, o resultado do julgamento.

Aconteceu que, ao final, transpondo a porta da sala, quatro homens com o uniforme da polícia civil, devidamente munidos de um mandado de prisão, cumpriram a ordem judicial, prendendo o afamado advogado.

No outro dia, os principais jornais da cidade estampavam a manchete:

“PRESO ADVOGADO FAMOSO POR DEIXAR DE PAGAR PENSÃO ALIMENTÍCIA AO FILHO”.

A ação era movida por Judite Chagas, ex-esposa.

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Aristeu Fatal
Enviado por Aristeu Fatal em 01/02/2012
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