Descobrindo a Vida
Ele percebia o mundo de uma forma bem original. Não parecia ter maldade, e nem entender o que era a vida. Mesmo aos 57 anos de idade parecia uma criança. Desamparada e ingênua. Também não parecia ser feliz. Vivia de forma quase imaculada. Era um andarilho das ideias, pensador prolixo, e um misantropo incurável. Não entendia como os homens se desrespeitavam tanto, e ainda assim, na maioria das vezes, conviviam harmoniosamente, claro, que sob o véu da hipocrisia. Ele não conseguia admitir isso em sua vida e sempre pensava que iria mudar o mundo. Fugia como um louco de uma conversa. Era bom mesmo em observar e anotar. Viveu muitos anos desta forma, pensando, observando, escrevendo e perambulando sem ser notado. Passava despercebido sempre. No trabalho, em casa ou na rua, ninguém o notava. Ele não fazia nenhum esforço para mudar isso. Gostava disso. Desta forma analisava todas as situações a sua volta, a sua maneira. Anotava tudo em pequenos pedaços de papel que levava consigo dentro do bolso direito das calças que usava. Escrevia com tocos de lápis que carregava no bolso esquerdo das mesmas calças. Saia de seu trabalho pontualmente às quatro da tarde e seguia, a pé, em direção ao centro da cidade. Ali ele ficava, sentado nos bancos da praça, a observar. Todos os dias. Com chuva ou com sol. Nessas andanças pela cidade, acompanhou e registrou todos os tipos de situações que passa um ser humano em sua busca sedenta de ser alguém, de se fazer notado, de atrair dinheiro e poder. Ele via tudo, e anotava, obsessivamente, com seus tocos de lápis, nos pedaços de papel. Percebia com seu olhar aguçado e profundo, típicos dos sábios, toda a imundície da alma dos homens. Chegava a sentir o cheiro podre e nauseabundo que expeliam aquelas criaturas que se intitulavam humanos. Criaturas cínicas e mesquinhas, prontas para destruir quem obliterasse seus caminhos. Via com muito asco a desfaçatez desses indivíduos em seu convívio diário. Apertos de mãos frouxos, risos forçados e tapinhas nas costas. Quando estes se afastavam, ele conseguia ler, no rosto de cada um deles, o total desprezo que sentiam uns pelos outros. Cada qual imerso em seu próprio mundo, pensando em como conseguir ser melhor do que o outro. Ser o mais poderoso, o que tem mais dinheiro, o que tem o melhor carro, o que tem o melhor emprego. Ser o mais invejado dentre todos os invejosos. Normalmente, o vencedor era sempre quem conseguia fingir melhor. Aquele que se faz de boa pessoa, atuando de forma canastronamente magistral. E para chegarem aos seus objetivos sórdidos, eles atropelam quem estiver pela frente, sem dó nem piedade. Não importa como se consiga, o importante é conseguir e mostrar que é capaz. Mesmo que pra isso venda sua alma ao diabo. Ele observou isso durante quase toda a sua modesta e recatada vida. Sem amores, com muitos desejos e pouca ambição, ele vivia a contemplar a vida dos outros e transcrever para o papel. Não nutria vaidades, não tinha gastos e nem com quem gastar. Até que um belo dia resolveu publicar tudo que escreveu durante todos esses anos. Toda uma vida inteira de análise do convívio social. Um relato frio do desprezo do homem ao seu semelhante. Com ajuda de uma pequena fortuna que guardava no banco, conseguida economizando seu salário de Auxiliar Administrativo durante muitos anos, resolveu, então, investir num livro. Ser escritor era seu grande sonho. Agora, ele iria mudar o mundo. Ele queria ser melhor que Fante. Construiu seu Arturo Bandini, e lançaria ao mundo. Tornar-se-ia um cidadão conspícuo. Procurou uma grande editora, levou seus rascunhos e seu dinheiro. A editora gostou do que leu. Começaram com 10000 unidades. Vendendo em algumas livrarias e na internet. Surpreendentemente o livro vendeu como água. Em um mês todos os 10000 livros foram vendidos. Ele começou a ser falado e comentado. Mais livros foram produzidos, mais livros foram vendidos. Ele foi entrevistado numa revista literária. Mais livros produzidos, mais livros vendidos. Ele foi convidado para um programa de debates na televisão num canal assistido por intelectuais. Mais livros rodados, e todos vendidos. Foi entrevistado no programa do Jô Soares. Sucesso total. Enfim ficou famoso. Era reconhecido onde fosse. Ganhou muito dinheiro. Virou celebridade. Gostou. Sua vida mudou. Agora vivia em festas regadas a muita bebida, drogas e mulheres. Comprou uma mansão. Comprou um carrão. Está namorando uma garota trinta e cinco anos mais nova que ele. Está cheio de falsos amigos, dá aperto de mão frouxo, distribui sorrisos forçados e dá tapinha nas costas de quem não suporta. Conheceu pessoas famosas e poderosas. Frequentou o céu, deu uma passada no inferno e flertou com o diabo. Ficou no topo por muito tempo. Seu rosto estampava as capas de todas as revistas, fossem de literatura, fossem de fofoca. Até que apareceu outro que o destronou. Agora ele inveja o famoso da vez e mataria qualquer um para ser de novo o melhor de todos. Tornou-se o seu protagonista de maior sucesso. Virou aquilo que mais o enojava, e está insuportavelmente feliz. Descobriu, definitivamente, o que é a vida.