A VIZINHA ATIRADA

Ela chegou ao corredor em que eu estava passando no prédio em que resido, com seu jaleco branco de médica. Passou por mim sorridente e me deu um “bom dia”. No uniforme pude ler seu nome em letras bordadas Dra. Fulana de tal .

De cara logo percebi que ela tinha uma beleza estonteante, de parar o trânsito – loira, cabelos lisos, alta e magra. Poderia facilmente figurar em uma destas revistas de moda.

Havia alguns anos em que ela residia no meu prédio, mas parecia tão quieta e tão discreta que nunca tinha reparado em sua presença.

No dia seguinte - no mesmo horário, novamente nos cruzamos no corredor, enquanto minha mente estava ocupada com algum livro ou filme, que havia lido ou assistido, reparei que ela acelerou o passo e entrou em seu apartamento que ficava a uma certa distância a minha frente.

Segui o meu caminho e reparei que a sua porta estava aberta, e que ela permanecia no interior do apartamento olhando para mim com olhos sedentos e movendo os lábios como se dissesse algo em silêncio. Não dei atenção ao fato e segui o meu caminho.

No dia seguinte ocorreu a mesma coisa, a porta aberta e ela com aquele olhar convidativo. Achei estranho, entrar ali e sair agarrando, além do mais não estava com a mente disposta a entender o intenção de quem não diz o que quer, muito menos de me render a um mero sorriso bonitinho, ou algo do gênero , pois já aprendi que diferente do que dizia o poeta; a beleza não é fundamental (no que diz respeito a aparência – beleza exterior) .

Assim fui seguindo os meus dias, a moça não conversava e ficava querendo que eu adivinhasse o que ela queria, ou seja - que eu me lançasse aos seus pés, que eu me atirasse naquela porta aberta. O que eu não fiz, não por desinteresse, mas talvez por que tinha outros planos para o dia, ou outras prioridades que não me permitiam ir atrás de aventuras repentinas.

Passaram-se os dias, e a porta se fechou.

Pouco tempo depois, começou o inferno.

Eram onze horas da noite quando acordei com o barulho de um carro estacionando debaixo da minha janela. Era um carro importado, que nem sei a marca, parecia um disco voador, com um som alto (alto mesmo!). Acordei assustado e fui á janela. Era a médica.

Com aquela barulheira toda, reparei que ela - no assento do motorista acendeu a luz interna do carro, de forma que eu poderia suas belas pernas, surgindo logo em seguida uma mão sobre elas - estava acompanhada. Apagou as luzes do carro e ficou com sua companhia, ali sem sair do carro, não sei dizer o quanto, terminado o barulho fui dormir.

Não entendi qual a graça dela ter ficado dentro do carro, sendo que mora sozinha e poderia ter ido para o apartamento, mas também pode ser que tenha ido, logo em seguida, pois não fiquei olhando o que ocorria.

No dia seguinte no corredor, ela vinha novamente com seu novo par, passou por mim deu “bom dia” e segui a minha rotina.

Na noite seguinte, a mesma coisa: carro com som alto, luz acesa, pernas a mostra, agarramento. No dia seguinte a surpresa, ela já tinha outro par - isso mesmo! Já era outro homem diferente do anterior, me cumprimentando no corredor.

A coisa foi se repetindo durante a semana - sei que não tenho nada a ver com vida da vizinha, mas era horrível ser acordado após as onze horas devido ao som alto, e pior, ela sempre fazia questão de acender a luz interna do carro, e se mostrar, com algum homem agarrando.

Achei estranho que ela nunca tivesse mostrado este seu lado antes, mas deixei pra lá. Afinal, eu deveria conhecê-la antes de formar uma opinião sobre ela, que era realmente bonita – diga-se de passagem.

Mas eu não estava mais suportando aquela coisa de ela chegar tarde da noite e parar debaixo da minha janela, com tantos outros locais disponíveis. Quando estava sozinha, ela costumava pegar o celular e sair conversando a toda a altura, parecia que para incomodar, no meio da noite, valia tudo.

Pensei muito sobre o assunto e achei uma solução para o caso. Planejei cruzar com ela no corredor e chamá-la de ”minha deusa, oitava maravilha do mundo” e todos os adjetivos existentes na fauna gramatical, depois lhe destinaria todas as cantadas existentes em algum site do estilo “como ganhar todas as mulheres”, até que por fim, ela não teria outra opção a não ser me esnobar, humilhar e me deixar de lado. Sairia vencedora, ficaria alegre, realizada e principalmente: deixar-me-ia em paz.

Hoje tudo mudou, tenho paz novamente.

A vizinha passa por mim todos os dias agora, não me olha, não me dá atenção e ás vezes até demonstra pena de minha pessoa, sente-se culpada por me esnobar tanto, mas logo se volta novamente ao seu ar tirano, eu me preocupo em sempre manter a postura de pobre coitado, de vítima das circunstâncias da vida.

O resultado é o melhor possível, a musa do carnaval parou de fazer barulho á noite e se exibir em suas aventuras noturnas, e vive a vida dela sem me incomodar .

Não sei, mas acho que o pessoal da sociedade masculina endeusa a mulher melancia e suas semelhantes demais. Ai chega uma mocinha que tem os atributos da beleza nos moldes da mídia de massa, e sente-se a deusa na terra, conseqüentemente não sabe o que fazer quando um homem não a trata como tal. Elas querem todos aos seus pés, pelo simples motivo de terem uma bela aparência, estes são os valores do mundo atual.

E quem vai encarar ? Eu não, prefiro ter as minhas noites de sono e minha tranqüilidade. Que as “deusas” e seus súditos sejam felizes - longe de mim (diga-se de passagem).

Isaias João
Enviado por Isaias João em 31/01/2012
Código do texto: T3472151
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