O outro lado do chamado
O outro lado do chamado
C
idade de Rio Bonito, interior do RJ, uma cidade pequena e pacata com um ritmo lento, típico de cidade de interior.
Estávamos no mês de março do ano de 2008, as nuvens negras no alto da serra do Sambe anunciavam que chuvas fortes estavam se aproximando, a equipe da COMDEC (Comissão de defesa civil) instintivamente ligava o alerta interior para receber chamados de desabamentos que pudessem vir a ocorrer.
Era sempre assim naquela unidade de salvamento, a mobilização da equipe começava bem antes que as águas descessem um trabalho que gerava ansiedade, e uma luta diária em tirar pessoas de áreas de risco para que as tempestades passassem sem deixarem para trás rastros de morte, desolação e tristeza, e naquela tarde não seria diferente, todos os agentes de socorro, já estavam equipados e preparados para o pior, simplesmente no aguardo de um chamado que poderia pôr em risco até a vida deles mesmos, mas a atividade exigia coragem e dedicação, e lá estavam os profissionais atentos ao telefone.
Ás 17h30min o telefone da unidade tocou, e intimamente o alerta interior de cada agente era acionado, o emergência 199 funcionava de forma rápida nesses casos, mas naquele dia, era a luta do homem com a natureza, do carro com as ruas alagadas, de gente querendo salvar e de gente querendo ser salva.
O chamado ficava em uma cidade vizinha, chamada Tanguá no bairro conhecido como Pinhão, as águas vieram com força e toda cidade se transformou em minutos em um verdadeiro córrego. As pessoas tentavam tirar seus pertences das casas e tentavam escapar do que poderia se transformar em uma tragédia, todos precisando de ajuda e de coragem para encarar a realidade do que estava acontecendo, que por tantas vezes assistiram pela TV na vida dos outros e não imaginavam um dia viver algo similar.
Os agentes de socorro avançavam com a sirene ligada, vencendo as águas, alguns com a empolgação causada com a adrenalina que buscam ao escolher esta profissão, outros com o silêncio ensurdecedor causado pela vasta sabedoria e experiência que só o tempo ensinava, e a verdadeira certeza de não saber qual o tipo de monstro iriam encontrar.
Ao passar por uma das ruas, as pessoas em pânico mostravam um casebre bem próximo ao Rio, um local aonde as águas já haviam subido quase 1 metro, e lá dentro se encontrava um senhor que não conseguia sair, o problema se agravava por que além da correnteza, o homem que precisava de salvamento, não andava,era cadeirante, e em sua deficiência, nem mesmo sair da casa havia conseguido.
A esperança que tivesse se livrado do afogamento era mínima, mas os agentes Santana e Fernandes não desistiriam facilmente naquela operação. As águas subiam cada vez mais rápido não havia tempo para tentar botes , cordas ou outros equipamento que auxiliassem a retirada da vítima.
Os agentes que estavam na ambulância, se preparavam para o pior, o agente Fernandes, decidiu ir a pé, entrou com a água pela cintura, em uma região de forte incidência de leptospirose, mas no momento do salvamento, quem socorre não pensa nisso...
O homem estava vivo dentro da casa, ilhado e só esperando o momento da morte chegar, não havia o que fazer apenas orar para que Deus mandasse alguém ali naquele momento, alguém que pudesse tirá-lo daquela situação de inércia em que se encontrava.
O agente Fernandes, entrou, pegou- o nos braços e o retirou da casa enfrentando a correnteza, a contaminação da água, e arriscando sua própria vida em uma operação ousada, aonde o coração do homem falava mais alto que a razão do profissional, mas pra quem tem amor pela profissão, às gratificações não são financeiras, são emocionais, e o que o agente não esperava era que naquele momento de pânico, em que as pessoas só se lembram de gritar e tentarem salvar a própria pele, um gesto da vítima marcasse a vida do agente Fernandes pra sempre, o senhor enquanto era carregado pelo agente nos braços, alisava seus cabelos e agradecia com a singeleza de sua alma e a humildade de quem simplesmente só esperava a hora da morte, e dizia ao agente somente o que precisava ser dito: Muito obrigada.
Hoje, alguns anos depois, talvez o homem não se lembre desse agradecimento, mas este simples ato fez com que o agente Fernandes, levasse em suas lembranças de vida, este dia para sempre, dia este que pra ele foi só mais um em meio a tantos outros dias de chuva, mas um dia que o fez ter certeza de ter escolhido a profissão certa e que o lema que seguiam , era verdadeiro e atuante:
“Um dever de todos para com todos”
• Conto dedicado ao agente de socorro Carlos Roberto Fernandes Jr, por seu depoimento para escrever este conto, e a base de defesa civil de Rio Bonito, pela dedicação e o trabalho incansável de prevenção.