PAU QUE NASCE TORTO

Pau que nasce torto

Rio de janeiro, terra de samba, terra de bamba, terra do gingado da morena, do bom malandro com ginga no pé, terra do sol que entra pela noite, confundindo até mesmo os relógios.

Everaldo olha para o céu azul, o silêncio lá fora no morro, mostra que amanheceu há pouco tempo e Everaldo já está atrasado, pega seu isopor, já cansado do batente e vai pra rua, desce a rua da limeira, já batucando, sabe que hoje as vendas serão boas, vê o movimento policial na entrada da favela, mais um bandido morto, Everaldo pensa em parar pra ver quem é, mas decide seguir seu caminho, perder os amigos de infância assim, já virou uma realidade no cotidiano do moleque, Everaldo, conhecido no morro como amarelão, devido à cor do seu cabelo sarará, foi criado por uma família humilde, mas trabalhadora, que viu a esperança de morar na cidade grande como uma saída da seca do sertão, e não se arrependiam, apesar de nos últimos anos a violência assolar o morro, a família de Everaldo, conseguiu um emprego aqui, de carteira assinada e as crianças puderam estudar e isso já era uma grande conquista.

Everaldo tinha 17 anos, em breve iria se alistar no exército, e a família queria muito que ele entrasse, e o menino, vendedor de picolé, sonhava todo dia com o dia que iria pegar seu uniforme, e servir ao exército brasileiro.

Queria em sua ilusão de ser alguém importante, até que tivesse uma guerra pra ele ir lutar para voltar como herói, pensava na cara de sua mãe ao ver o filho voltar como herói, numa tola

Ilusão infantil,que não percebia que a guerra estava mais próxima do que se pensava,estava ali, bem ao lado dele, era a guerra urbana que já fez mais vítimas que as duas guerras mundiais juntas, guerra esta em que o poder paralelo, acertava a todos, homens, mulheres, crianças, sem distinção ou classe social ou religiosa, guerra esta em que mesmo sem querer a população participa todos os dias.

Mas lá ia ele, gingando pelos corredores da favela, pensava no balanço da Ritinha, a mulata que deixava Everaldo maluco e em seus pensamentos de um dia virar herói pensava em tirar Ritinha da favela, Ritinha com seu beijo doce, com sua risada de criança, a negra mais bonita do baile.

E lá ia Everaldo, iria para o litoral, Copacabana beach, é...

Até o inglês, Everaldo estava ensaiando, precisava atender seus clientes gringos da melhor maneira.

Como era de se esperar, a praia estava lotada, a areia cheia de sonhadores, de turistas, de poetas, de trabalhadores, Everaldo pensava sempre em Deus quando avistava o mar, e pensava em como foi bom sua família ter se mudado para o rio de janeiro, a cidade maravilhosa, a vista maravilhosa, e o que não podia faltar na praia em um dia daqueles... A Ritinha maravilhosa, lá a ia, com seu gingado, parando o vento pra ela andar, a pele reluzia no Sol, e trazia em Everaldo um sentimento de explosão interior, como ela era linda e perfeita, e como Everaldo gostava quando sonhava com ela, Ritinha povoava suas fantasias mais secretas

Desde os 12 anos.

Um dia o barraco de Ritinha teve um princípio de incêndio por conta de uma ligação clandestina de luz, e Everaldo sonhou um ano em ser bombeiro.

Um dia Ritinha foi assaltada e Everaldo sonhou um ano em ser polícia, um dia o irmão de Ritinha levou uma dura da polícia e apanhou, e Everaldo sonhou um dia em ser o chefe do tráfico pra pegar a polícia e se vingar por Ritinha, mas ainda bem, os sonhos do menino eram só sonhos, e Everaldo

Estudava pra se tornar alguém e um dia levar Ritinha para um lugar melhor, mas aquele dia algo diferente acontecia, Ritinha passou por Everaldo, sorriu e disse:

_ E aí Amarelão, vai ficar vendendo picolé à vida toda?

Everaldo sentiu o cinismo na voz dela, e respondeu...

_ Com certeza não, estudo pra isso, e você? Acha que vai ser a rainha da praia a vida toda?

Ritinha falou dessa vez com voz de desanimo:

_ Não, amarelão, só que to cansada de ser boazinha, sabe qual é? Estudei já acabei o segundo grau, e não arrumo emprego, só de faxineira, pra ser faxineira eu não precisava ter perdido

Tanto tempo estudando, minha mãe tá na mesma, desde que eu me conheço por gente, a mulher rala de sol a sol na casa das madames pra gente estudar e virar o que? Faxineira que

Nem ela?

Everaldo tenta animar a mulher que ama:

_ Nada disso Ritinha, você vai conseguir alguma coisa, precisa procurar mais...

_ Olha quem fala outro filho de faxineira com servente no Rio de Janeiro, garoto até pra arrumar emprego é preciso ter dinheiro, dinheiro pra ir a uma lan house fazer um currículo,

Dinheiro pra tirar foto, dinheiro pra pegar ônibus, dinheiro pra comprar roupa pra ir à entrevista arrumada, tudo gira em torno do dinheiro e eu ando desanimada com isso...

_Você é linda Ritinha, não precisa de produção.

_Sou linda amarelão, mas sou preta, e o preconceito aqui no Brasil é enrustido só dão emprego ao preto quando ninguém o quer, a discriminação existe o tempo todo, minha mãe

Não tem mais dinheiro nem pra me dar de passagem pra procurar o tal emprego, ou agente come ou eu procuro o emprego...

Então venho pra praia, ver o mar, sempre aparece um

Gringo otário pra pagar um pastel, assim diminuo a despesa lá em casa, um prato a menos na mesa, faz diferença no mês do pobre.

Everaldo disse:

_Ritinha, não ganho muito, mas lá em casa todo mundo trabalha e consigo juntar uns trocados, quando precisar de dinheiro pra ir procurar emprego me fale, quando estiver trabalhando me paga.

Ritinha ouviu o amigo e gostou do que ouviu, mas, como já era mais amadurecida que Everaldo achou que o amigo estava somente sendo gentil.

Everaldo seguiu seu caminho, e rapidamente vendeu seu picolé,

Quando voltou, decidiu passar por onde Ritinha estava, havia guardado na caixa um picolé de amendoim o sabor preferido da amiga,quando se aproximou, viu Ritinha passar por ele

Correndo, como uma bala, uma família de turistas, estava na outra ponta da praia inconsolada, os comentários que se ouviam era que uma menina adolescente havia assaltado ao chefe de

Família com um canivete, Everaldo sentiu um frio na espinha, aquilo não poderia ter sido coisa de Ritinha, não dela, a mulher que ele amava que queria ter filhos, que sonhava em dar um

Futuro melhor.

Everaldo correu como uma bala para o morro precisava encontrar Ritinha, precisava conversar com ela, precisava lembrar a ela dos amigos de infância que morreram ao se envolver com o crime.

Ao chegar ao barraco, encontrou a porta trancada, pobre raramente tranca porta, nunca tem nada pra ser roubado mesmo, e bateu na porta, Ritinha perguntou nervosamente quem era

Everaldo respondeu:

_Sou eu Ritinha, abre logo essa porta ou vou ligar pra sua mãe e dizer o que você anda fazendo...

Ela gritou lá de dentro, seu desgraçado enxerido.

_ Quer que eu ligue ou vai abrir?

Ritinha abriu a porta lentamente, seus olhos estavam marejados, de medo, de desespero de tristeza.

Everaldo abraçou a amiga, não perguntou nada, não questionou, Ritinha desmoronou em seus braços, em um choro contido, em um choro de revolta, em um choro de desespero por

Mudanças, e os dois ficaram ali, parados na porta em um silencio companheiro, sem questionamentos e sem julgamentos.

Dia seguinte 08 h da manhã, Av. Rio Branco, centro do Rio de janeiro, dois jovens atravessam o saguão de um prédio luxuoso de escritórios, o porteiro estava mais bonito e bem vestido, que

O tio de Everaldo no dia do seu casamento, os dois perguntaram ao porteiro em que andar ficava o escritório do Sr.Abraham Sheldon, o porteiro disse que poderiam ir a qualquer dos

Dois andares o terceiro ou o quarto, por que a companhia em que o Sr.Sheldon trabalhava ocupava os dois andares inteiros, Ritinha pensava em como a empresa em que o Ser Sheldon trabalhava deveria ser rica, os dois entraram no elevador e foram até o saguão principal, uma secretária recebeu os dois cordialmente, mas foi logo falando:

_Infelizmente não estamos com vagas para serviços gerais.

Ritinha não gostou do comentário e já ia atacando a moça, quando somos indefesos diante de uma situação o ataque passa a ser nossa maior defesa.

Everaldo conteve Ritinha:

_ Acalme-se.

E foi explicando a moça, o que havia acontecido, disse ter achado a carteira de um homem no caminho para a casa e o cartão pessoal dele era daquela empresa e que certamente trabalhava ali, e queria entregá-lo pessoalmente.

A moça quis ver a carteira, Everaldo mostrou, ela sumiu pelas salas e dentro de 5 minutos voltou e disse, o Sr Sheldon irá recebê-los.

Os dois foram conduzidos a uma linda sala, e Ritinha olhava maravilhada a sua volta, tudo era muito limpo e cheiroso, a empresa era de reformas náuticas, e tinha filiais até no exterior,

Quando entraram Everaldo se apresentou, e apresentou Ritinha como sua namorada, o homem a reconheceu, mas fingiu que não, ao ver a aflição dos dois, pegou a carteira e conferiu, estava tudo lá, documentos, cartões, e os trezentos reais em dinheiro que tinha na carteira.

Sr Sheldon, resolveu pegar o dinheiro e dar ao Everaldo, como se fosse uma recompensa por ter devolvido o dinheiro, mas Everaldo não aceitou, e ainda se sentiu ofendido:

_Olha moço, só Deus sabe, quanto vale trezentos reais pra gente que é pobre, mas passamos por tudo isso, pra te devolver seu dinheiro por que foi um ato de desespero, quero só que

Perdoe minha namorada e não a entregue a polícia quando entrarmos naquele elevador.

O homem olhou Everaldo de cima em baixo, achou-o corajoso e franco, e perguntou a Ritinha,

_Quantos anos você tem moça?

Ritinha respondeu:

_Dezoito

O homem falou:

_ Quando tinha a idade de vocês, eu morava ainda nos estados Unidos, ganhava dinheiro engraxando sapatos, quando vim pra o Brasil, vim como um imigrante de classe baixa ganhei dinheiro em seu país. O Brasil me acolheu melhor que o meu próprio país, hoje além dessas empresas, sou dono de várias multinacionais e de instituições que ajudam outras pessoas que precisam como

Um dia eu precisei, e vejo nos olhos de vocês um medo da vida que eu já tive um dia, mas não desistam, como eu não desisti se querem só o meu perdão, a moça está perdoada.

Ao saírem da sala, um misto de alívio tomou conta do coração dos dois, mas ao apertarem o botão do elevador, a secretária veio correndo atrás.

Ritinha se desesperou:

_ Viu Everaldo, vou ser presa.

A secretária pediu que os dois voltassem à sala do Sr.Sheldon

Os dois entraram cabisbaixos, mas Everaldo ainda tinha esperanças de inverter a situação.

Ritinha já sentia os olhos queimarem de vontade de chorar.

A porta se fechou atrás dos dois, e o mundo parava ali.

Três anos depois:

Everaldo chegava a sua casa no subúrbio carioca, havia conseguido ingressar na faculdade, e hoje tinha uma boa notícia ao chegar a casa, havia comprado seu primeiro carro, Ritinha

Grávida de oito meses, não se conteve de felicidade, era o que os dois sonharam a gravidez toda, e juntando os salários conseguiram realizar antes do bebê nascer.

O telefone na sala toca.

Everaldo atende e se surpreende, é sua avó, feliz demais, finalmente o telefone chegara ao sertão nordestino e ela poderia matar a saudade pelo menos das vozes da família, ela

Pergunta pelo bebê e diz que está muito feliz e estava impaciente com a demora de noticias da família, nem sempre os correios funcionam.

Everaldo diz que estão todos bem, que não mora mais na favela, e que hoje conseguiram comprar um carro, que havia se casado com a mulher que sempre amou, e que tinham um

Emprego muito bom em uma indústria Náutica e que ter vindo morar na cidade grande foi à melhor coisa do mundo.

A avó perguntou, qual seria o nome do novo Netinho.

Everaldo respondeu e a avó soltou um grito do outro lado.

_Mas que isso menino, um nome desses dá nó na língua.

Everaldo repetiu.

Abraham José da Silva

Esse nome mudou o rumo de nossas vidas.

Moral da história, nenhum pau nasce torto, se tornam tortos, mas se basta aparecer uma pessoa de boa vontade que se endireitam rapidinho.

Izabelle Valladares Mattos
Enviado por Izabelle Valladares Mattos em 29/01/2012
Código do texto: T3468777
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