E PORQUE NÃO?

Aderbal era aquele típico funcionário público, formação de nível médio, metódico, baiano, trabalhando há mais de vinte cinco anos no mesmo setor, casado, pai de três filhos, morador do subúrbio, que exercia sua função de maneira tranqüila e sem muita motivação como a maioria dos colegas, a sua rotina era da casa para o trabalho e do trabalho para casa. Sua grande alegria, e talvez seu maior defeito, era o de ser torcedor do Esporte Clube Vitória (Vicetória), pois ia a todos os jogos, e com mais de cinqüenta anos o certo é que tinha chorado muito as derrotas do seu time para o outrora esquadrão de aço (Bahia). Aderbal se achava um grande jogador de dominó e carteado, a verdade é que praticava todos os dias no intervalo do almoço.

Era também o organizador das peladas no fim de semana, andava sempre com a tabela das marés verificando o melhor horário para o jogo de futebol de praia e recolhia o dinheiro dos jogadores para a cerveja após o bába. Alguns colegas enciumados diziam que ele era protegido do chefe, somente porque sempre trazia das viagens, que fazia a serviço, um peixe ou uma carne do sol para o seu ‘’amigo’’. Aderbal tinha muita popularidade naquele órgão público, da presidência ao pessoal da limpeza todos o conheciam, com ele não havia meio termo quem gostava dele gostava de verdade ou então o detestava, seus amigos diziam que se podia contar com ele para tudo, que era muito companheiro e sempre ajudava quem dele precisasse.

De outro lado, falavam que ele era de veneta, de lua, hoje brincava e cumprimentava todo mundo e outro dia nem olhava para ninguém. O Aderbal era um pouco surdo talvez por isso falasse tão alto, alguns diziam que era surdez de conveniência e que só ouvia o que lhe interessava, mas no elevador lotado falava bem alto as suas estórias e se orgulhava de dizer na cara o que achava a quem quer que fosse. Aliás, algumas pessoas, geralmente muito mal educadas e na maioria das vezes sem instrução, têm este triste hábito de “falar na cara” as verdades e ainda orgulham-se disso, imagine o nosso mundo se todos resolvessem quebrar as boas regras de convívio e educação e falar somente as verdades uns aos outros, haveria certamente o caos social.

A questão é que de algum tempo o Aderbal resolveu radicalizar, e ainda não se sabe bem por que um homem com 56 anos de idade resolveu usar argola e pintar o cabelo com mechas douradas, além de colocar piercing no umbigo e fazer tatuagem de um imenso escorpião nas costas. Como se não bastasse, resolveu sair no bloco de travestidos no carnaval, e agora usa roupas coloridas e espalhafatosas no trabalho, óculos escuros dia e noite, arrumou duas namoradas, uma loura e uma morena, comprou um carro esportivo verde limão brilhante, cujas prestações levam mais da metade do seu salário, usa sunga de crochê e bandana colorida. Comprou um telefone celular de três chips e televisão com um toque tão escandaloso que atrapalha a todos na sala. Ele mudou mesmo sua rotina, pois, vai ao trabalho quando quer, mesmo assim quase nunca fica na sala e todo dia tem um monte de problemas particulares para resolver, embora continue organizando as peladas de fim de semana e jogando dominó e cartas.

Os colegas de trabalho se dividem na opinião sobre o que estaria acontecendo com Aderbal, os amigos dizem que ele está curtindo a vida, aproveitando enquanto pode e fazendo o que muitos querem e não tem coragem. Os demais dizem que ele resolveu assumir, soltou a franga e virou a mão. O que houve de fato ninguém sabe, quando alguém pergunta por que ele está tão mudado, Aderbal tira calmamente os óculos escuros... alisa as mechas douradas do cabelo... e responde muito sério:

- E porque não?

Paulo Melo
Enviado por Paulo Melo em 26/01/2012
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