Uma história de amor
Há dias, ela procura o filho pela cidade. Pelas ruas, casas abandonadas, “bocas de fumo”, hospitais, IMLs, não há lugar que ela não tenha ido à sua procura. Infelizmente, sem sucesso.
A cada dia que passa suas esperanças vão diminuindo. Escasseando. E ela vai ficando desesperada. Tem medo de não encontrar mais seu filho, de encontrá-lo morto. Tem medo das condições físicas e psicológicas em que ele possa estar.
Vitima do consumo excessivo de drogas, principalmente o crack, seu filho, de tempo em tempos some. Simplesmente desaparece pelas ruas da cidade. E, como não poderia deixar de ser, ela, sai a sua procura. Entrando em lugares, onde não imaginou entrar. Conversando com pessoas as quais nunca, sequer, sonhou em conversar. Fazendo coisas que em condições normais, nunca faria.
No entanto, o que ela quer é salvar seu filho. Resgatá-lo. Já não sabe quantas vezes internou-o. Por quanto psicólogos ou psiquiatras já o consultou. Já não sabe mais há quanto tempo não vive uma vida normal. Uma vida que sempre sonhou. Com casa, um carro na garagem, um bom marido e filhos para alegrar a vida.
O carro, a casa, o marido, tudo isso ela conquistou, mas, os filhos não vieram, aliás, veio somente um, este que agora, ela esta pelas ruas da cidade a procurá-lo, desesperadamente.
Como as diversas formas de libertar seu filho das drogas não deram certo, ela agora, decidiu investir no amor. No amor que sente por ele. Tenta mostrar a ele que, não importa o que ele fizer ela sempre estará a seu lado. Sempre o amando. Sempre.
Andando triste pelas ruas, ela começa a culpar a si pelos problemas do filho. Duvida do amor que sente por ele. Chega a achar que não o ama suficientemente para tirá-lo das trevas em que se encontra.
Ela não sabe o que fazer. Mas não desiste. Tem que achá-lo. Por isso faz somente uma coisa, procura, procura, procura.
Mais um dia esta se passando, e, nada de encontrar o filho, no entanto, sente que ele está próximo. Não sabe explicar, mas, sente a sua presença, cada vez mais perto. Então, é tomada por uma força interior muito grande. De repente, parece que suas forças foram renovadas. Se sente confiante. Forte.
Por isso, ao invés de ir para casa continua sua busca. Caminha mais forte, mais confiante, quando, ao longe vê um grupo de pessoas. Quatro ou cinco, que mais parecem zumbis, tamanho é o estado degradante deles. Magros, feios, sujos, maltrapilhos. Seres humanos doentes. Tristes. Infelizes.
Apesar da distância reconhece o filho. Totalmente transformado pelas drogas. Transformado pela vida. Sujo, magro, doente. No entanto reconhece o pequeno e singelo sorriso. Não sabe por que, mas à distância vê o filho sorrir. Ou, imagina que ele, apesar das circunstancias, não perdeu a vontade de sorrir. Há uma esperança, pensa ela. Há ainda um sopro de vida, naquele corpo quase sem. Isso lhe dá mais motivação, lhe dá mais coragem.
Então corre na direção do grupo e ao chegar próxima ao filho, o abraça e o beija, demonstrando a ele, todo o amor de seu coração.
- Filho! Filho! Como te procurei – diz abraçando-o cada vez mais forte - Meu Deus! Nem acredito que você está aqui. Nem acredito... Que bom! Que bom! Louvado seja o senhor! Louvado seja!
Apesar de toda a demonstração de amor e afeto da mãe para com o filho, ele fica imóvel, inerte diante de tudo. Nada diz. Nada faz. Fica parado como se nada estivesse acontecendo.
- A mãe veio te buscar – continua – Ah meu Deus! Obrigado! Obrigado! – ela passa a mão no rosto dele, absorto em pensamentos, absorto em seu mundo particular – Que susto você me deu. Achei que nunca mais o veria. Achei que o havia perdido para sempre. Para sempre.
As pessoas que estavam juntas dele, aos poucos foram se afastando, não dando muita atenção ao que estava acontecendo. Ao perceber o rapaz tenta se desvencilhar da mãe, que, o segura pelo braço fortemente.
- Me deixa – diz ele puxando o braço, não demonstrando qualquer tipo de emoção para com a mãe. Nem amor, nem ódio. Nada.
- O que? Não acredito...
- Me deixa! Eu... Eu tenho que ir.
- Você não tem que ir... Ou melhor, você não tem que ir com eles a lugar algum. Você precisa ir...
- Me larga – diz empurrando a mãe, no entanto, esta tão fraco que acaba caindo de costas no chão – Você tá vendo? Tá vendo o que você fez – grita nervoso ao se levantar – Eu já falei para você me deixar ir. Mais não, você fica aqui enchendo o meu saco.
- Filho! – diz segurando-o pela mão – Você tá horrível! Você precisa de um banho, de comida...
- Isso é você que está dizendo. Eu não preciso de nada. Estou bem assim. Muito bem por sinal. Agora vê se me esquece...
- Mas...
- Sabe de uma coisa? Eu morri. Ouviu? Eu morri. Seu filhinho querido morreu. Aquele seu filho que você e o seu marido queriam que fosse um médico, um grande médico, morreu. Acabou. Agora me dá licença que eu tenho que ir. Tenho uma vida a viver. Uma vida que eu quero viver, não a que vocês queriam que eu vivesse.
Dito isso ele se desvencilha da mãe e vai embora. Ela fica totalmente imóvel vendo o filho, um farrapo humano, partir. Sente que aquele é o pior momento de sua vida. Então chora, enquanto presencia o filho indo ao encontro da morte física, pois a psicológica ele já com certeza ele já havia encontrado.
A impotência do momento a faz desistir de tudo. Havia perdido a batalha. Havia definitivamente perdido a guerra. Não havia mais por que lutar. Tudo estava acabado.
Abatida, como quem acaba de enterrar o filho, resolve voltar para casa. Resolve aprender a conviver com a terrível perda que lhe abateu. A suportar a vida juntando os pedaços do que restou das terríveis batalhas que participou. Volta para casa sem olhar para trás. Quer se lembrar daquele menino inteligente, cheio de vida, cheio de sonhos. Não daquele ser acabado, dilacerado, destruído pelas drogas.
- Não acredito que você vai desistir assim, tão facilmente.
A voz é de uma mulher que esta sentada em um banco próximo onde tudo aconteceu.
- Tão facilmente... – começa a responder irritada.
- Isso mesmo. Não acredito que você vai deixar as coisas acabarem assim.
- Você estava sentada aí, deve ter ouvido o que ele disse. Ele não quer...
- E você acreditou? Você acreditou em tudo o que ele disse? Não seja tola, você sabe muito bem que não foi bem ele quem disse isso. Ele te ama. Ele clama por ajuda, mas, é mais forte que ele. Ele não consegue se desvencilhar, não consegue sair dessa sozinho. Precisa de você.
- Desculpe, eu até agradeço o seu conselho, mas, eu já fiz de tudo. Não há nada nesse mundo que eu não tenha feito para aquele menino. Mas, eu perdi. Ele perdeu. Nós perdemos. Eu sei que é difícil dizer isso, mas, a verdade é que eu desisto. Desisto.
- Você é a mãe dele.
- E daí?
- Você não pode desistir. Uma mãe nunca abandona seu filho. Nunca!
- Desculpe, mas...
- Quer um conselho minha filha?
A presença da mulher, apesar de ser estranha, pois, ela poderia jurar que não havia ninguém presenciando sua conversa com o filho, é tranqüilizadora. Apesar de triste pelo o ocorrido, uma calma e uma tranqüilidade muito grande tomava conta de si. Ela estava totalmente serena diante de tudo o que acontecera, apesar de tudo.
- Ame-o! – continuou a mulher – Ame-o! E quando você não souber mais o que fazer, ame-o ainda mais.
- Eu o amo, mas, eu não estou agüentando mais. Estou cansada. Exausta. Doente. Eu sinto muito mais eu não tenho mais de onde tirar forças para lutar. Definitivamente não sei mais.
- Eu sei...
- Sabe?
- Claro que sei! – a mulher a abraça – Sabe de uma coisa? Você não é uma pessoa qualquer. Você é mãe. E uma mãe, ama. Uma mãe nunca abandona seu filho. Nunca! Nem quando todos o abandonam. Eu sei o que você esta passando. Sei que seu coração dói. Sofre.
- Desculpe, mas acho que não...
- Claro que sei o que você esta sentindo agora. Eu também sou mãe. Tenho filhos. Choro por eles. Sofro por eles. Mas, de maneira alguma os abandono. Agora, minha filha, vá e lute por seu filho.
- Não sei se consigo.
- É claro que consegue. Vá! Lute por ele! Lute pela vida dele! Não desanime! Não esmoreça! Tenha fé! Fé!
- Eu já perdi...
- Nunca... Você não perdeu. Agora vá resgatá-lo. Agora! Nada é maior do que o amor. Nada! Ame-o! Ame-o! Deixa que ele se sinta amado. Vá! Vá!
Sem titubear ela sai em busca do filho. Esta forte. Decidida. Confiante.
Uma vontade louca de abraçar e beijar o filho toma conta de si. Nesse momento ela é só amor. Só amor, nada mais.
Encontra o filho deitado na sarjeta, desmaiado. Não há sinais de violência, mas, por algum motivo ele esta desacordado. Buscando forças em seu interior, ela se abaixa e pega o filho no colo, se entristece ao perceber a leveza do seu corpo. Ele está tão leve que ela não sente dificuldade alguma em carregá-lo.
Lentamente, caminha pelas ruas da cidade com o filho nos braços. Emociona-se ao lembrar-se de toda a vivacidade que aquele rapaz um dia tivera. Da sua beleza. Do seu belo e cativante sorriso. Do seu abraço carinhoso.
Agora ele esta ali, um saco de ossos, quase sem vida, que nada lembra aquele menino. Não há beleza. Não há sorriso. Não há vida. Um zumbi, vivo pela vontade de Deus. Sem vontades. Sem desejos. Sem sonhos.
Ao chegar em casa, tira os farrapos de roupa que cobriam o corpo do seu filho e o banha. Lava suas feridas com lágrimas de amor, esperando que estas, além de curá-las externamente, também se curem internamente. Trazendo seu filho de volta a vida. Logo após, o coloca para dormir, como se fosse uma criança. Devagar o cobre e fica ali, acariciando seu rosto, marcado pela fome. Pelas drogas. Marcado pela vida.
Neste momento se lembra da mulher que não fizera com que ela desistisse. Um anjo pensou. Lembrou da conversa que tiveram e do amor que ela exalava. Envergonhou-se ao perceber que nem perguntara a ela seu nome. E sorriu timidamente pela falta de educação.
“Qual será o nome daquela mulher?”
“Qual será o nome daquele anjo, que salvou a mim e a meu filho?”
Talvez seria anjo o nome dela, pensou, e, mais uma vez sorriu.
Depois de acarinhar muito seu filho, e já pensando no que seria feito no dia seguinte, resolveu dormir ali mesmo, ao seu lado. Abraçada a ele.
Então, ao fechar os olhos ouviu algém sussurrar baixinho no seu ouvido.
- Maria!