My Wonderwall.

Naquele dia nos abraçamos como se nossas vidas dependessem tão somente da nossa união. O abracei com o corpo, com o fígado, com o cérebro e o pulmão. Ele me abraçou com a alma, a mente, suas veias e

coração, seus ossos. Você já abraçou alguém assim? Se não, não sabe o que é um abraço de verdade. Quando se aperta tão forte o corpo do outro que parece que vai virar tudo uma coisa só. E isso se já não eramos uma coisa só, mesmo na nossa individualidade, tão insuficiente a ponto de precisar do outro para que simples rotina de respirar continue.

Chovia aquela garoa de sempre. No noticiário, as notícias de sempre. A nossa transa, também muito boa como sempre.

Mas estava tudo tão diferente...

Não com o mundo, mas com o nosso mundo.

Estavamos pelados sentados na minha cama de solteiro, uma das poucas coisas do meu apartamento. Mas também tinha um frigobar e um fogão de quatro bocas que ele costumava usar pra cozinhar de vez em quando pra gente.

Eu coloquei meus fones de ouvido e ele os dele. Ambos não interessados no que o outro estava ouvindo e igualmente desinteressados em compartilhar isto.

Ele deitou no meu peito, tirou um fone do meu ouvido e um do dele, me disse bem baixinho:

-Poucas coisas são comuns entre a gente, mas uma delas, a escolha diária de se levantar a cada dia para levar mais golpes da vida, é a mais estranha de todas.

Eu entendi exatamente onde ele queria chegar. Ele estava cansado como eu. Exausto como eu de dar murro em ponta de faca de rocambole que nunca nem machuca e muito menos mata, só frustra.

- Ahan, após golpes e mais golpes, ainda levantar-se a cada manhã para que ela bata mais. Pra que ela bata mais e cada vez mais forte e bem no meio da nossa cara. E você sangra e segue cambaleando pensando 'O que eu estou fazendo aqui?'. - Desabafei também.

Ele levantou o rosto, colocou o queixo no meu mamilo, bagunçou um pouco meu cabelo e disse:

- Aí eu olho pra você, e meio que sei o que estou fazendo aqui.

- E depois olha para as cicatrizes de outras batalhas e vê que não há nada de filosófico ou especial em sofrer. Por mais que cicatrizes signifiquem sobrevivência à algo, quem liga? Eu realmente não entendo de que vale só sobreviver.

- Isso. É só sofrer mesmo. Mas eu quero ver onde vai dar essa merda, seilá. A vida é uma putinha muito safada pra eu pagar o preço assim sem fodê-la um pouquinho.

- Queridinho, eu acho que isso é só até quando a gente perceber que também não há nada de vergonhoso em deixar a vida ganhar de W.O., é inteligência...

- Você e esses seus papos né, Sté. Já disse que não curto. Se você se matar sem mim vou te buscar onde for.

Fui até o espelho e me olhei por alguns minutos. Duas lágrimas caíram, só do olho direito. Não sei explicar também. Continuei:

- ...E a única diferença dessa batalha diária pras outras é que as feridas não se fecham e na batalha seguinte, quando se tira a cabeça do travesseiro, é capaz de estarem mais abertas e podres. Elas abrem mais. E a diferença dessa guerra pras outras, é que ganhando ou perdendo, o prêmio será sempre a morte. E no fim das contas, viver é só tentar ir se machucando menos.

- Tá bom, agora vem cá.

- Odeio quando você me responde assim, filho da mãe.

Fui até ele e me recostei em seu peito, joguei uma das pernas no seu corpo e fiquei ali até adormecer. Não lembro o momento exato em que dormi. Mas lembro que foi com um provébio nigeriano na cabeça, que nem lembro onde li.

"Se seu rosto está inchado pelas duras pancadas da vida, sorria e finja ser um homem gordo".

E sim, é isso que as pessoas(inclusive eu) fazem. Se orgulham de cicatrizes pra disfarçar a mísera vida de sobrevivente que têm. Esperando o despertador tocar pra iniciar outro round. E levantar-se para apanhar até não mais poder ouví-lo.

- Dorme, dona Desiludida, eu tô aqui pra tentar te segurar. Mesmo que a gente caia junto.

Wonderwall - Oasis

nes_ste
Enviado por nes_ste em 20/01/2012
Reeditado em 20/01/2012
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