ENFIM SÓ
ENFIM SÓ
Tinha 30 anos e vivia só. Estava acostumado a viver relativamente só desde pequeno, afinal era filho único e desde os bancos escolares não cultivava nenhuma amizade especial, tinha apenas colegas. Tinha personalidade retraída, falava pouco e não gostava de andar em turmas. Quando menino gostava de brincar sozinho e não sentia falta de companhia. Fora sempre bom aluno, adorava ler e fazia suas tarefas com perfeição.
Formara-se com louvor e logo arrumara um bom emprego que lhe permitira em curto espaço de tempo, comprar seu pequeno, mas aconchegante apartamento. Não fora difícil conseguir comprá-lo, afinal tinha uma vida espartana, de poucas saídas e gastava praticamente apenas para comer e comprar seus livros. Era feliz desse jeito, e não pretendia mudar seu estilo de vida, bastava-se a si mesmo.
Almoçava diariamente em um restaurante de comida a quilo que ficava próximo ao escritório em que trabalhava. Era advogado e praticamente exercia a função, apenas assessorando colegas na preparação de defesas e acusações, ouvindo clientes, consultando pareceres, jurisprudências e outras atividades correlatas, visto ser detalhista. Pela sua introspecção tinha muito pouco contato com os clientes.
Em um dos processos que assessorava, a ré era uma moça, que sofria um processo de difamação movido por um ex marido, que ela havia abandonado, acusando-o de homossexualidade. Sempre recatada, cada vez que ia ao escritório caía em prantos ao relatar seu calvário, havia sido enganada, traída em sua inocência, vilipendiada por amigas, amigos e pela família. Ele se condoía de seu drama e, estranhamente, conversava com ela por horas, procurando consolá-la, cada vez que ela aparecia. Ouvia-a pacientemente, recomendava posturas, dava conselhos, enfim, parecia um pároco no confessionário.
Em uma das idas ao escritório, após a conversa de sempre, convidou-a para almoçar e lá se foram os dois ao restaurante que ele sempre frequentava. Conversaram animadamente e ele pela primeira vez sentiu-se a vontade em uma companhia feminina. Ao final do almoço, despediram-se com beijinhos. Ele sentiu algo estranho, como nunca antes sentira. Desse dia em diante, praticamente todos os dias ela aparecia no escritório ou no restaurante, e sempre almoçavam juntos. Numa sexta, durante o almoço ele convidou-a para ir ao cinema no sábado e depois jantar.
Foi o primeiro de muitos cinemas e jantares, que paravam por aí, sem as sequencias que hoje em dia são praxe. O máximo que chegaram foi a beijos não salivares.
A ação em que ela estava envolvida continuava e eles viam-se amiúde, até que um dia ele perguntou se ela aceitaria ser sua namorada,formalmente. Ela prontamente aceitou e passados não mais que 3 meses, noivaram.
Mais 9 meses se passaram e eles com discrição casaram-se no civil, praticamente sem pompa e quase incógnitos, salvo pelos padrinhos que ele mau conhecia, sendo pessoas de relações dela.
Foram morar no apartamento dele, que ela nem ao menos conhecia e como ele não tirara férias, fizeram a lua de mel em um hotel da cidade. Ela surpreendeu-o com sua atividade sexual, passaram os 3 dias de sua folga entregando-se ao sexo quase que ininterrupto. Ele a princípio achou normal a avidez, mas passados alguns dias começou a ficar preocupado e também exausto pela cupidez sexual da mulher. Seu apartamento, antes limpo e organizado, aos poucos estava virando uma verdadeira poçilga. A atividade sexual era excessiva, mas as outras necessidades da casa eram ignoradas. Passado o primeiro mês ele estava cansado e já sem pique para tamanha atividade conjugal, ao mesmo tempo estava extremamente descontente com a indiferença a limpeza, organização e manutenção da casa.
Mais uns dias e ele não aguentou e disse a ela que estava cansado e que ela precisava cuidar melhor da casa. Imediatamente, como uma tresloucada ela o chamou de gay, disse que não era empregada doméstica e que ele tratasse de dar conta do recado senão iria levar um par de chifres. Ele ficou mudo, não conseguiu reagir face ao estupor em que ficara. Saiu para refrescar a cabeça. Voltou na madrugada e lá estava ela esperando-a ansiosa. Recusou-se a intimidades e foi dormir. Ao acordar não a encontrou, trocou-se e foi trabalhar. Passou o dia preocupado, onde será que ela se metera, será que ocorrera algum acidente? Ao chegar em casa lá estava ela, faceira e feliz. Perguntou onde estivera. Ela com a maior desfaçatez disse que tinha ido procurar um homem, já que ele não dava conta do recado. Imediatamente ele pediu que ela se fosse e que iria entrar com um pedido de divórcio na manhã seguinte. Ela sem pestanejar recolheu suas roupas e se foi, como se tudo aquilo fosse normal.
Ele não dormiu, estava arrasado, como tinha entrado naquela fria, como sairia dela?
Pela manhã, ao chegar ao escritório logo preparou toda a documentação para o pedido de divórcio, mas subitamente lhe bateu uma curiosidade. Sem pestanejar foi ao processo em que ela era ré e anotou o telefone do ex marido. Chegou a sua sala e incontinenti ligou para o ex. Identificou-se e explicou o motivo da ligação. Queria saber o que tinha acontecido. Do outro lado da linha ouviu um gargalhar e as palavras textuais foram “essa mulher é louca da cabeça e ninfomaníaca, portanto, já na primeira recusa você vira gay”. Separe-se antes que seja tarde e que a infâmia acabe com sua carreira. Foi o que fez e nunca mais pensou em sair de sua bendita solidão.