Adolfo era candidato ao cargo de deputado estadual por um partido considerado o mais popular de sua cidade. Já exercera o mandato por três vezes consecutivas, mas na última eleição não conseguira sequer cinquenta por cento dos votos que precisava para se reeleger. Isto o deixara arruinado financeiramente e sem querer acreditar no que tinha acontecido. Tivera que ser controlado, este é mesmo o termo, por seus assistentes e correligionários, pois se abatera profundamente. Ao término das apurações era só tristeza e frustração.

- Não acredito que isto esteja acontecendo comigo. Olhe só para isso, Farias, olhe para isto! Será que eles não se enganaram? Será que tive mesmo essa votação inexpressiva? - dizia, mostrando, ao seu mais fiel aliado, o resultado das urnas.

- Não há como haver engano; é isso mesmo. E que diferença fará quinhentos ou mil votos para mais? - respondeu Farias, tão surpreso e abatido quanto ele.

- E o que você acha de pedirmos uma recontagem dos votos? Ainda penso que houve erro - insistiu Adolfo.

A essa altura, atravessando o salão do comitê onde se encontravam, uma mulher, que se dizia aliada, pois o auxiliara na campanha, soltou as seguintes palavras, antes de sair pela outra porta:

- Eu não faria isto; pode ter sido para mais o erro e o resultado final seria ainda menor - dizendo isto, desapareceu rapidamente.

- Está vendo, Farias? Fui traído, fui traído! Não podemos confiar nas pessoas.

Em casa, nos braços da mulher, chorava feito um cãozinho abandonado.

- O que vai ser agora de nossas vidas, querida? Sei o quanto você adorava a nossa casinha de campo, o quanto amava o nosso carro importado; tudo jogado fora, tudo! Não acredito mais nas pessoas.

- Não fale assim, meu querido! - dizia Samara, tentando consolá-lo - vamos conseguir tudo isso de volta. Não me importo em viver uma vidinha simples e sem status até às próximas eleições; será então vitorioso, tenho certeza. - Adolfo saiu dos braços da mulher, no sofá onde se encontravam e, de um salto, se pôs em pé.

- Nunca! Não me fale mais em politica. Sou um homem público, que visa o bem comum; meu lema é a honestidade, por isso não aceito ser traído.

- Não acho que tenha sido traído.

- Pois, vou dizer. Sabe a Estela? - e contou sobre a frase infeliz que ouvira dela e sobre outras desconfianças e acrescentou:

- Foi um balde de água fria. Estou desiludido e decidido a abandonar para sempre a política.

Passou semanas alimentando essa convicção, mas, por outro lado, inseguro quanto ao que fazer da vida dali em diante. Nada tinha em mente, a política estava no seu sangue; tudo o que conseguira na vida veio graças a ela. Era, pois, difícil para Adolfo mudar de vida. O único em quem cegamente confiava era o amigo Farias, que há alguns anos já o vinha auxiliando e era com quem, além da mulher, conseguia desabafar.

- Vou ajuda-lo a sair dessa fossa em que se meteu, meu amigo; vai se candidatar novamente. Farei com que se reeleja e volte ao que era antes: rico, famoso e respeitado.

- Estou arruinado, amigo - disse, quase aos prantos.

- Quanto possui hoje?

- Não devo ter mais do que trinta mil reais em poupança, dois carros e dois imóveis. Mas, o que são trinta mil reais? Sequer dá para iniciar uma campanha.

- Você esquece que faltam quatro anos? É bastante tempo para se trabalhar e ganhar muito dinheiro. Vamos, homem! Levanta essa cabeça. Vou te ajudar; seremos sócios e juntos venceremos.

- Não confio mais nas pessoas. Com o posso confiar? Com certeza, fui traído; você viu o que disse a Estela?

- Esqueça a Estela; esqueça toda a equipe e todos os aliados. Vamos mudar de partido.

Esta era uma possibilidade em que Adolfo já tinha pensado, mas ainda não dissera a ninguém por pura insegurança. Como abandonar um partido que o reelegera por três vezes consecutivas e o enriquecera?

- Vamos projeta-lo às alturas; é o de que está precisando: projeção e reconhecimento. E só um partido popular será capaz de fazer isto por você.

- Mas, Farias, vou descer das minha origens, deixar o meu círculo social para me misturar com o povo! Não sei se suportarei isso - disse, tremendamente angustiado.

- Vai ser preciso, meu caro Adolfo. Mas, não precisará deixar seu círculo social. É claro que terá que redirecionar suas campanhas, frequentar os sítios mais carentes da sociedade, ver de que o povo está precisando; está me entendendo? Pode tratar de juntar o máximo que puder e investir em caixas de leite, brinquedos, material escolar e algumas promessas de emprego bem arquitetadas; estou certo de que vai funcionar. Veja as favelas, olhe as criancinhas abandonadas e os mendigos. Confie em mim, conheço a fundo o partido e todas essas comunidades; já trabalhei em muitas delas.

Adolfo confiou e assim começaram a trabalhar. Entrou com Farias no ramo imobiliário onde ele, Adolfo, era sócio com o dinheiro e, o outro, com a experiência que possuía no ramo. Vendeu uma das casas, um dos carros e começaram a prosperar. Lançou-se a campanha de Adolfo para deputado estadual. Há seis meses das eleições trabalharam arduamente, subindo e descendo morros, distribuindo, além dos sorrisos e das promessas de sempre, muitos, mas muitos benefícios materiais, que iam de simples brindes a empregos e doações.

Era assim: promessas em troca de outras promessas. Sorrisos de espertalhões, beijinhos e apertos de mãos frívolas e interesseiras, correspondidos por outros, não, talvez, eivados de tanto interesse, mas, por certo, resguardados pela sabedoria popular que já consegue discernir o falso do honesto e verdadeiro.

Resultado: vieram as eleições e, como era de se esperar, a justiça se fez nas urnas : Adolfo não foi eleito. Desta vez na teve jeito. Abandonou de vez a política; deixou de acreditar no povo, o que, para ele, podia ser algo novo porque, para o povo, a recíproca já era, há muito, um fato claro e indiscutível.
Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 16/01/2012
Reeditado em 16/01/2012
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