Money (That's What I Want) parte 1

Por Rondinei M. Flóro

Bateu a mão no bolso, e viu que estava sem cigarros. Estava numa área da cidade onde havia vários barzinhos. Atravessou a rua, e entrou num bar estilo pub inglês. Pediu o cigarro e uma garrafinha de Heineken. Precisava tomar uma pra relaxar. Tinha tido um dia difícil hoje. Um típico dia de merda.

Ao entrar, seu olho clínico já registrou aquela bela espécime feminina, sentada sozinha no balcão. De vestido. Destes vestidinhos leves que as mulheres usam no verão. Deu uma boa olhada nela. Realmente uma bela espécime. Destas que viram a cabeça dos homens. Capaz de fazer o próprio Papa virar comunista, e se mudar pra Cuba.

Aquela mulher linda, maravilhosa e inacessível a meros mortais como eu ou você, o encarou com aquele olhar firme e despreocupado que as mulheres bonitas têm, e lhe pediu fogo. Precisou conter um meio sorriso de satisfação que surgiu no canto da sua boca, acompanhado de um turbilhão de pensamentos sujos.

Foram juntos para o lado de fora para fumar.

Ela era uma dessas mulheres que falam sem parar. Contou que tinha levado bolo de uma amiga. Disse que não gostava de beber sozinha. Então perguntou se ele tomava alguma coisa com ela. Tomava. Claro que tomava. Tomaria até Q-boa com creolina com uma mulher daquelas.

Várias Heinekens depois, os dois bem mais relaxados, já falavam sobre coisas mais pessoais. Ele acabou entrando num papo chato sobre o seu trabalho. Era professor de história. Foi então, depois de um silêncio constrangedor, que ela disse uma coisa inacreditável. Falou que como a amiga não pode vir pra encontrá-la, não tinha mais ninguém pra lhe fazer companhia. Como ainda estava cedo, se ele quisesse, poderiam ir pra outro lugar.

Ele iria encontrar alguns amigos, se ela quisesse, poderia ir com ele. Ela recusou com um sorriso malicioso. Pousou a mão sobre a sua , e pediu pra ele dar o bolo nos amigos. Claro que daria o bolo neles. Mesmo que tivesse uma reunião com o Papa, com os presidentes dos Estados Unidos e do Brasil juntos, daria o bolo neles também.

Pagaram a conta e saíram.

Assim que entraram no carro, ela se atirou sobre ele como uma loba no cio. Sentou no seu colo, mordiscando o pescoço, a orelha, num beijo louco, ofegante. Bocas, línguas, mordidas. Ele mal podia acreditar no que estava acontecendo.

O vestido que ela usava era desses de alcinha. Foi fácil puxá-las de lado, para libertar aqueles seios perfeitos em forma de pêra, livres e insolentes, apontando pro céu.

Ficou por alguns segundos apenas contemplando, na reverência que uma obra de arte daquela pede. Depois avançou com volúpia, explorando com as mãos e com a boca cada centímetro exposto daquele verdadeiro monumento à luxuria.

Quando a coisa toda já estava saindo de controle, se tornando um verdadeiro atentado ao pudor, ele sugeriu que fossem pro banco de trás. Ela riu. Uma risada gostosa, afogada num beijo. Ela então, sugeriu que talvez fosse melhor irem pra casa dela, já que ela vivia sozinha, e era ali pertinho. Foram.

Ela morava numa área nobre da cidade, com ruas arborizadas e mansões de muros altos.

Quando chegaram, insistiu pra que ele deixasse o carro dentro da garagem e baixasse a porta.

Subiram as escadas até uma sala ampla que estranhamente estava quase vazia. Olhando melhor, a casa toda parecia vazia. Ela explicou que estava de mudança. Quase todas as suas coisas já haviam sido despachadas. Esta seria sua ultima noite na cidade. Iria começar uma vida nova em Porto Alegre. Por isto decidiu encerrar a sua vida antiga cometendo uma loucura como aquela. Jurava que nunca tinha feito nada parecido.

Foram direto pro quarto, que a não ser por um colchão, um espelho e um aparelho de som, estava completamente vazio.

Ela ligou o som. O quarto se encheu com o som dos Beatles. Money (That’s What I Want). Apagou as luzes. A única claridade vinha do painel do aparelho de som, que deixava apenas sua silhueta perfeita à mostra. Ela então puxou pro lado as alças do vestido, que deslizou pelo corpo perfeito até cair no chão. Então veio andando bem devagar, só de calcinha, numa dança hipnótica que deixou o professor paralisado.

Sentou no seu colo. Esfregando aqueles seios perfeitos no seu rosto. Disse que sempre teve a fantasia de transar com um professor. Depois ficou em pé e tirou a calcinha.

Foi uma noite realmente memorável, daquelas que entrariam facilmente na biografia de qualquer um.

Mas não foi inesquecível apenas pelo fato de passar uma noite espetacular com uma mulher daquele nível. O que aconteceu de manhã foi uma coisa que o professor jamais iria esquecer.

Quando acordou, o sol já brilhava alto lá fora. Percebeu que estava sozinho no quarto.

Foi até o banheiro, e lá encontrou um recado escrito no espelho com batom:

“Obrigado por tudo lindinho. Você foi d+

Deixei um presentinho pra você no porta malas do seu carro.”

Sorriu envaidecido. O recado inflou o seu ego, dando aquela sensação gostosa de dever cumprido.

Vestiu-se, fumou um cigarro, e foi até a garagem, esperando encontrar talvez, a calcinha preta de renda minúscula que ela usava na noite anterior. Já imaginava a cara dos seus amigos quando ele contasse o que aconteceu. Depois mostraria vitorioso o troféu que ela lhe deixara como lembrança daquela noite. A prova definitiva do seu sucesso.

Mas quando abriu o porta malas, tomou um susto.

Viu que havia um saco, desses sacos pretos de lixo, completamente cheio e amarrado na ponta. Achou aquilo muito estranho. Quando desatou o nó, não conseguiu conter um grito de horror. Foi a visão mais horrível que já teve em toda a sua vida. Dentro do saco havia um cadáver esquartejado! Os braços e as pernas separados do tronco. Só a cabeça estava no lugar. Era o corpo de um homem aparentando uns 40 anos. Talvez mais.

Fechou a mala do carro. Sentiu um nó no estomago e vomitou.

Acendeu um cigarro e tentou pensar de forma clara e ordenada. A primeira idéia que lhe ocorreu foi deixar o saco de lixo ali mesmo e ir embora imediatamente. Mas pensou que quando achassem o corpo, com certeza haveria uma minuciosa investigação. Alguém poderia ter visto o seu carro entrando ali. Sempre tem alguém que vê esse tipo de coisa. Não, definitivamente essa não era uma boa idéia. Precisava levar o corpo dali e livrar-se dele.

Entrou no carro, e foi embora.

Raciocinando rápido, decidiu levar o corpo até um canal num bairro bem afastado, e jogá-lo de cima da ponte. Mas pra isso, precisaria atravessar a cidade toda. E àquela hora da manhã, sempre havia muito transito.

Mesmo assim, decidiu correr o risco. Entrou no carro e acelerou.

Um pouco à frente, havia acontecido um acidente. Os carros passavam devagar. Havia alguns policiais na pista.

Nervoso, procurou olhar pro outro lado. Temeu que algum guarda notasse a tensão e o medo no seu rosto.

Ouviu um apito, e viu que um policial fazia um sinal pra ele parar. Seu rosto ficou branco. Começou a suar frio. Acendeu um cigarro e tentou se acalmar. Procurou olhar pra frente, evitando o olhar do policial. Podia sentir os músculos tensos e imaginar a expressão de terror no seu rosto. Se o policial o encarasse por um instante apenas, seria o suficiente pra perceber que alguma coisa estava errada ali. Mas alguns segundos depois, o transito voltou a fluir normalmente, e o oficial fez um gesto para que ele seguisse em frente.

Meia hora depois, com os nervos em frangalhos, estava parado na ponte, com a mala do carro aberta, e o famigerado saco plástico nas mãos. Levou com dificuldade o pacote, que era bem pesado por sinal, até a beira da ponte.

Certificou-se de que não era observado por ninguém. Jogou o macabro embrulho no canal e voltou correndo pro carro.

Agora sim, um pouco mais aliviado, acendeu outro cigarro e procurou raciocinar com clareza. Chegou à conclusão óbvia de que fora usado para desovar o corpo. Imaginou também que provavelmente aquela ordinária não teria agido sozinha. Cortar um cadáver em pedaços assim não parecia coisa de mulher. Provavelmente, enquanto ela saia à procura de um otário qualquer, um comparsa, ou talvez mais de um, se encarregava de esquartejar o corpo.

Mas então, o que fazer agora? Ir à policia e contar essa historia absurda? Chegaria na delegacia e diria: olha seu guarda, tive a melhor noite da minha vida. Fui seduzido por uma gostosa, que me levou pra casa dela, e tive a melhor transa da minha vida. Mas como nem tudo nessa vida é perfeito, ela deixou um cadáver esquartejado na mala do meu carro. Não. Isto estava definitivamente fora de cogitação.

Talvez o melhor fosse tentar esquecer, deixar a poeira baixar, torcer para que o corpo não fosse descoberto, e assim não ter maiores complicações.

(fim da parte 1)

Besouro Curitiba
Enviado por Besouro Curitiba em 16/01/2012
Reeditado em 16/01/2012
Código do texto: T3444488