Premonição

Naquele longo fim de tarde, ela distraidamente voltava pra casa. Passos lentos, passos cansados debaixo de um sol escaldante de Outubro. Nem era verão ainda e o calor já dava os ares quentes de sua graça. Sem hora pra chegar ou outro compromisso que justificasse alguma pressa, brincava com seu tempo enquanto pensava nos últimos acontecimentos: excesso de trabalho, correria, responsabilidades. Tudo tão rotineiro que já nem demandava mais esforço, as atitudes vinham de forma automática e isso, muitas vezes, parecia esvaziar um pouco a vida. Talvez por falta de um alvo ao qual direcionar seus devaneios, lembrou-se de uma sensação ruim de dias antes; algo que envolvia riscos; mais precisamente a imagem de um carro desgovernado subindo uma calçada e vitimando alguém cujo rosto se mantivera oculto. Não era hábito conceder peso às suas premonições mesmo sabendo que eram frequentes, mas desde que a tivera, essa tornou-se lembrança recorrente em seus dias. Despistou aquele pensamento na crença de ser mais um pressentimento ao qual não deveria dar ouvidos. Apenas mais um pressentimento em meio aos muitos outros que sempre lhe assolaram e, fossem bons ou não, ocorriam corriqueiramente em sua vida.

Faltava uma quadra para chegar em casa e esquecer-se do sol escaldante debaixo do chuveiro, enquanto a água fresca lavava a poeira do dia exaustivo. Apenas uma quadra… Até que, após atravessar uma rua de acesso à sua, um ruído forte lhe desviou a atenção e fez com que olhasse para o local por onde acabara de passar. Uma freada. Uma freada forte e inútil, e dois carros, inevitavelmente, se chocaram no cruzamento que há pouco ela havia deixado pra trás. Um deles parou, mas o outro, por falha mecânica ou nervosismo do motorista, não teve o mesmo sucesso. Subiu a calçada e seguiu rasgando suas laterais entre os muros das casas e as árvores que graciosamente ornamentavam a rua, até que um sopro divino qualquer conseguiu alterar sua direção, desviando-o da linha reta que seguia e direcionando-o mais para a esquerda. Chocou-se em uma casa rosa e estancou a uma distância aproximada de somente três passos dela que, inerte, observava a cena. Sem saber se era correto ou não, sem medir reações, se afastou tensa, ouvindo apenas a correria da vizinhança e uma voz afirmando: “Quase acertou a moça que passava na calçada!” Ela tremia por fora e chorava por dentro, pois sabia que, por uma fração de segundos, se não houvesse acontecido o tal desvio para a esquerda, aquele veículo a encontraria pela frente e a acertaria em cheio. Foi pra casa sem olhar pra trás. O passado ficara lá.

Uma hora depois, já de banho tomado, da porta de casa observava à distância a movimentação de bombeiros e ambulâncias, resgatando os feridos de dentro dos carros. Na calçada ninguém foi atingido. Ninguém foi atingido, pois ela, que poderia ter sido vítima, estava três passos à frente. Talvez até ela, de fato, tenha sido vítima: vítima de sua própria sorte. Não soube se o motorista desviou para salvar-lhe a vida, não soube se a vida do motorista foi salva, não soube quem era esse motorista. Nunca soube de onde vinham seus pressentimentos, mas sempre soube o que estava por acontecer. Eram premonições sem exatidão, sem controle; sensações que, passados alguns dias, se mostravam reais. Curiosamente nunca as levou a sério… Até aquele dia.

Barbara Nonato
Enviado por Barbara Nonato em 12/01/2012
Código do texto: T3437175
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