* Dois prá lá, dois prá cá.*

Era noite. Ameacava trovoada e chuva,pois no Vale,quase sempre,antes da chuva há um bombardeio geral nos céus. Aula noturna do ginásio,no prédio do Chagas Pereira. No intervalo,nos esgueiramos por entre as frondosas árvores,descemos o barranco e num salto simiesco ultrapassamos o grande muro e...Liberdade! Cruzamos o parque de diversão,junto ao mercado municipal(hoje rodoviária) em direcão à casa da Pii. Aniversário da Rê,sua prima.Pupilas dilatadas,sonhos inebriantes esvoacavam pela mente.os olhos não cerravam pelo calor de mais uma aventura de um adolescente de 12 anos. Aprenderia a dancar!!! Pii prometera me ensinar. O mundão não tinha mais porteira para aquele pequeno alazão do Vale.Chegamos à casa dela naquela pequena rua junto a linha do trem,depois da fábrica de jóias do Abílio e Zé,bons portugueses. Batemos. Pii abriu espraiando um sorriso cativante,talvez tentando acalmar os deuses da noite e dos raios.Meu colega,nem bem entramos,caminhou direto à mesa dos salgadinhos.Era um gorducho,sempre comilão.Sentei-me num canto da sala a observar as outras pessoas e fiquei quieto com minha timidez juvenil.O coracão batia extasiado;os trovões ecoavam por entre as serras e raios faiscavam pela noite.Era Outubro de 1956,mês em que comecavam as trovoadas e as águas, para o Vale se transformar num grande lago.Rê veio em minha direcão;cumprimentei-a pelo aniversário olhando dentro dos seus olhos,olhos machadianos,*olhos de ressaca*-Que lindos! Pii tomou-me pelas mãos para dancarmos;na *vitrola*rodavam uns boleros suaves a La Gatica,Gregório Barrios e coisa e tal. A boca era pequena para o coracão saltar do peito.*Dois prá lá,dois prá cá*-dizia Pii.*Sua voz me acalmava...* e aquela mão no pescoco então!...Nada como a primeira vez para tudo.Haverá sempre uma primeira vez.*Dois prá lá,dois prá cá*- e lá fui eu cheio de coragem e vergonha convidar a Rê para bailar.Minhas mãos suavam,as pernas pesavam.Bailamos... Besame Mucho me inspirava e fui com La Barca no balanco das ondas por El Camino Vierde. *Dois prá lá,dois prá cá.* *...aquela voz me acalmava...* Saímos...Já era tarde da noite para uma cidadezinha do interior:22 horas!!! Tomamos a rua em direcão a Rio Branco,e lá,meu amigo foi prá esquerda,eu subi para a praca S.Benedito,contente da vida.A chuva voltou a cair forte...trovões...raios...pressentimentos em meio à tanta euforia. O ladeirão me esperava. Fui em frente,no sentido da minha casa,no meio da subida. Algo estranho...Uma multidão na frente da porta. Apertei os passos...-*O que acontecera?*. Entrei afastando as pessoas,segui o longo corredor,desci as escadas para o salão de jantar.Nosso hotel,um alvoroco só. Entrei nos nossos aposentos,em meio a muitas pessoas. Vi os olhos da tia Maria me fitando; ao seu lado,estendido na cama,um anjo dormia com uma rosa muito vermelha no lugar do coracão. Solucos...falares baixos...certa mudez lancinante...Saí dali correndo. Medo,angústia,choro,perplexidade,um desejo enorme de não acreditar. A euforia desabou com meus sonhos,mostrando a crueza da realidade. *A Vida é uma grande piada cósmica.*-como diz Chris Griscon. Hoje ainda gosto de ouvir boleros.João Bosco e Aldir Blanc cantam uma parte da história de um adolescente. *Dois prá lá.dois prá cá...*

Chico Chicão
Enviado por Chico Chicão em 11/01/2012
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