ARMADILHAS DA VIDA

CONTO NOVO

ARMADILHAS DA VIDA

Era tempo de férias. O colégio estava literalmente abandonado. A chuva no final da tarde dava impressão de tristeza e final de verão. A pichação do muro do prédio antigo tornava-o com ar de sujeira e mostrava a total negligencia dos alunos. Ainda Naquele ambiente, na pracinha do bairro, uma figura de cabelos assanhados, olhos redondos. Era ele considerado um delinqüente quem dormia no banco da praça daquela viela. A maioria das pessoas que ali passavam nem percebiam em seus percursos aquele adolescente que se perdia nas noites, e que sempre retornava ao seu lugar de costume: Ao banco da pracinha.Quem sabe naquele coraçãozinho estava uma historia marcante,um passado remoto, mas não tão distante, alguma coisa que pudesse denotar o seu interior.Nada chamava a atenção das pessoas,e isso era comum para aquele criaturinha que já conceituava o ser humano como insensato,desumano.

O jornal já desbotado pelo tempo era o colchão, seu travesseiro seria um resto de livro que pegara no lixão do bairro, suas esperanças tinham morrido quando ele saiu de casa porque apanhara do padrasto e por isso achou que era seu dever ir embora de casa, afinal sua mãe nem o tinha impedido de fazê-lo.Vivendo sem direção, sem nada conhecer, o menino saiu com coragem em busca da avó que também tinha ido embora. Precisava se alimentar, a fome fazia seu estômago doer e ele comia resto no lixo de alimentos que encontrava, se deliciava com gula, sem rodeios. A fome o havia ensinado a não escolher, a sede era algo que lhe preocupava e quando avistava uma torneira nos arredores dos jardins ou quintais de alguma casa ele se preocupava de encher sua vasilha, pois temia ficar com sede. Ele sabia que alguns moradores lhe olhavam penalizados, mas não gostava das perguntas que faziam e por isso mantinha-se distante,evitando questionamentos.

Nas noites chuvosas seu coraçãozinho disparava porque sabia que seria mais uma vítima da chuva e esta muitas vezes o acordara molhado, a chuva não o poupara, e o menino corria como se quisesse despistá-la, pulando de casa em casa procurando a proteção dos telhados que a maioria eram casarões antigos. Naturalmente ele pensara na mãe que de uma certa forma o tinha abandonado e muitas vezes chorava escondido para não ser visto pelos moleques de sua turma.

Ao seu redor vivia aqueles meninos que passavam o dia cheirando cola e roubando em certas oportunidades,de alguns homens ricos que quase nem ligavam pra moedinhas que ficavam no banco traseiro do carro. Aquele jovem começava a se interessar agora pelas moedas que os colegas pegavam e também queria usufruir dos cigarros para fumar, mesmo sabendo da maneira sorrateira que eles tinham de conseguir dinheiro fácil.

La pelas altas horas da noite, Gustavo era surpreendido pelos seus próprios amigos. Certos de que Gustavo dormia,alguns deles encostava-lhe uma arma branca em sua barriga e gritavam dizendo:Isto é um assalto!Espantado o moleque se levantava e via que era somente uma brincadeira de mau gosto. A meninada sorria com gritaria que toda a vizinhança se perturbava com aquilo e os insultava de uma maneira brutal, isso sem falar das poucas vezes que eles jogavam água fazendo-os saírem da pracinha encharcados.

Vivendo dissolutamente, buscando realmente amizades que o pudessem ajudá-lo aquele adolescente tinha um desejo, encontrar-se com sua avó que por motivos desconhecidos havia ido embora e nunca mais ele a tinha visto. Sua intenção era de procurá-la, pois ele tinha certeza que ela o acolheria com carinho. Então ficava horas pensando como faria para outra vez rever sua avó, sua mãe nunca mais também a tinha visto, talvez estivessem zangadas, tudo isso o fez pensar dessa maneira porque sua mãe era muito geniosa e não demonstrava nenhum carinho com a velhinha quando a idosa morava com eles. Isso o ele percebia com clareza.

O que teria acontecido depois de tanto tempo com sua avó? O pensamento de Gustavo estava angustiado e tudo o que ele tinha conseguido durante todo esse percurso era dar suas primeiras tragadas de cigarro, roubar com os colegas, cheirar cola, e tentar até assalto no supermercado do bairro. Seu percurso era perigoso e as oportunidades iam surgindo, e quando ele as repelia, sempre tinha uma voz que lhe dizia: fuma garoto, só essa vez! E tantas vezes foram se repetindo, o mundo o foi ensinando a conhecer o outro lado da vida, o lado das drogas, do vício e da ida sem volta.

O tempo parecia não passar para aquele adolescente que já não mais se importava com seus familiares, estava vivendo pelo prazer de se viciar, experimentando até o crack, se prostituindo com garotas de programas sem proteção. Os estudos ele havia abandonado, e isto o deixava mais envolvido com outro estilo de vida, preferindo as más companhias. Seus pais tinham perdido totalmente o controle da situação e foi numas dessas vezes que o adolescente resolveu fugir, sair em busca de aventura.O que ele mais queria era encontrar a avó , a velhinha o mimava com exagero, muitas vezes evitando até de ser disciplinado pelos próprios pais.Gustavo, sentia-se ofendido pelo padrasto que na verdade não queria seu mal.

Foi através de suspeitas amizades que Gustavo envolveu-se numa cilada armada pelos seus amigos. Toda droga foi encontrada na sua mochila quando alguém tinha pedido para que ele segurasse somente por um momento. E foi justamente nesse instante que a policia chegara revistando todos os seus amigos, e com ele foi encontrado a droga. Gustavo não imaginava que naquele momento os homens fardados apareceriam, justamente naquele lugar. Para aquele adolescente certamente ficar preso não estava nos seus planos. Todos foram detidos , porém o culpado e considerado um marginal foi Gustavo,afinal ele foi pego no flagrante.

Começava um novo dia de tristeza para Gustavo que permanecia naquele lugar terrível e sem possibilidade nenhuma de ver alguém. Mesmo que isso fosse possível, seus familiares não sabiam de nada o que estava acontecendo. Gustavo não queria que seus pais soubessem que ele estava preso. Apesar da vida em que vivia o adolescente não queria dar o desgosto a sua mãe e avó.Muitas vezes ficava pegando sol no pátio e foi numa dessas vezes que o adolescente apanhara de outros meninos de sua idade que estavam preso.Apesar de toda culpa,o delegado e uma velha senhora vigiava a cela em que Gustavo ficava.Eles gostavam do adolescente que tinha um comportamento bom.Muitas vezes o menino era surpreendido chorando e todo seu tempo ele pegava alguma revista pra ler,pois pedia àquela idosa . A boa senhora tinha a missão de trazer-lhe revistas de sua casa quando ela iria pra casa no final de semana.Ela jamais esquecia quando o adolescente pedia implorando para que ela não esquecesse das revistas por ela prometidas.

O relógio batia doze horas da madrugada, impaciente Gustavo esperava por um bilhete ou aviso de alguém que lhe prometera tirar-lhe daquele lugar.De repente alguém joga um bilhete por cima da alta parede.Mas isso não lhes impedia de comunicar-se.Gustavo nervoso abria o bilhete e o leu,o mesmo dizia que o garoto deveria enganar a senhora que lhe trazia revistas e roubar-lhe as chaves de cada cela,eles sabiam que molho de chave estava com aquela senhora.Não podia ser,Gustavo gostava de idosa e não queria que ela fizesse parte daquele plano de fuga,afinal ela confiava no garoto e sempre elogiava seu comportamento . E agora? O que o garoto iria fazer?

Ainda com o coração angustiado, Gustavo não conseguia ler suas revistas com concentração e tentou tirar do peito as lembranças de tudo o que já havia passado e aprendido na sua vida.As armadilhas para que ele fosse o único culpado,os roubos feito pelos seus amigos,sem nenhuma garantia de segurança,sempre era ele que ficava com a culpa.E agora,a única amiga que tinha,que nada lhe pedia,pelo contrário,estava sempre o ajudando. O combinado entre os amigos seria o primeiro passo para que Gustavo e seus amigos de cela fugissem da cadeia. Porém Gustavo não aceitou aquele idéia de trair a confiança da senhora que tanto o ajudara, a única pessoa que lhe estendeu a mão depois que muitos o rejeitaram. E agora estava prestes a romper-se essa amizade que poderia durar toda a vida. Tudo por causa de um plano de fuga que na verdade ninguém sabia se isso daria certo ou não. Gustavo começava a perceber que toda responsabilidade estava em suas mãos. E se tudo desse errado? Dele seria a culpa, só dele e de mais ninguém.

Foi refletindo sobre essas possibilidades que o menino resolveu desistir do plano que possivelmente não daria certo. Mesmo o garoto desistindo houve um plano de fuga e muitos conseguiram fugir,Gustavo não soube como aconteceu,mas foi o comentário daqueles dias naquela penitenciaria.Gustavo estava triste,pois ele sabia que agora seria difícil sair daquele lastimoso lugar,mas sentia-se aliviado por não ter participado da fuga dos outros detentos.Sua consciência estava tranqüila quando soube que tudo já tinha acontecido,mas ele nada havia contribuído para aquela louca fuga.

Havia amanhecido e Gustavo levantou-se e logo pegou algumas revistas que estavam embaixo da sua cama. Não demorou muito para que um policial chegasse e falasse para o garoto que a senhora que ali ficava tomando de conta da sua cela, tinha morrido naquela manhã. Certamente a senhora tinha sentido-se responsável pela fuga dos garotos. Passando mal foi internada em seguida. Não resistindo,ela havia morrido.Não seria possível que aquela senhora boazinha tivesse morrido!Como isso pode acontecer?O garoto se perguntava angustiado e chorou a manhã inteira por causa daquela senhora que trazia revistas para ele. Ela que muitas vezes lhe dava uma palavra de conforto e esperança de vida. Porém se conformou mais um pouco quando lembrou aliviado que não tinha feito parte daquela fuga e foi justamente por causa dela que ele tinha desistido.

O garoto ficou doente e foi encaminhado para o hospital mais próximo daquela prisão. Alguns policiais vigiavam o quarto que o garoto estava. Mas quando ele acordara não entendera o que estava se passando, ninguém estava com ele, e a porta do quarto não estava trancada. Gustavo ficou sem entender e foi seguindo a porta da entrada do hospital. Apressou os passos e finalmente chegou em um local que estavam alguns carros estacionados.Tentou abrir a porta de um veículo,mas nada conseguiu.Olhou para um lado,para o outro, e não viu ninguém.Era hora de sair dali, seria a única oportunidade de libertar-se daquela maldita prisão.Correu sem olhar para trás.

Quando já estava longe, bem distante do hospital, saíram á porta dois policiais que falaram calmamente um para o outro: - Ele já foi? Deixa ele ir. Seus exames deu soro positivo,ele não tem muito tempo pra viver.È tão jovem! Disse o policial com lágrimas nos olhos.

A história de Gustavo se repete quase todos os dias com adolescentes que saem de casa em busca de aventura, procurando viver com libertinagem, e acabam sendo presos em vícios, drogas e outras armadilhas da vida. A família de Gustavo soube em seguida da morte do adolescente e sofreu muito com a escolha que ele mesmo tivera feito. Sua avó não demorou muito para saber da noticia e quase todas as tardes a velhinha ia ao cemitério colocar flores para o seu netinho querido.

ARTESGS
Enviado por ARTESGS em 10/01/2012
Reeditado em 10/01/2012
Código do texto: T3432592