O Cortejo

Era pouco menos de meio dia naquela cidadezinha e o sol já estava a pino. Cidade do interior, esquecida pelo resto do mundo, onde poucos habitantes pisavam o chão sem asfalto, ainda de terra batida; e onde todo enterro era acontecimento de porte. Aquele não seria diferente. Marcado o enterro para meio dia, o velório que aconteceu desde a véspera na casa da defunta, já era dado por encerrado. O caixão já havia sido fechado e tirado da mesa antiga de mármore gasto. Era então carregado por seis velhos amigos cabisbaixos e levado pra fora da casa de onde seguiria até o cemitério local. Suas filhas choravam copiosamente. No auge de seus oitenta e nove anos, vencida pelo cansaço de uma vida inteira em favor dos habitantes da cidade, ela estava morta.

Conforme o caixão ganhava estrada, pessoas começavam a se aproximar lentamente, juntando-se em procissão. Primeiro o boticário, depois o juiz e o carteiro. Por tratar-se de figura ilustre, a câmara havia decretado feriado local e luto de três dias, para que todos pudessem prestar suas condolências. Do coreto, as mocinhas solteiras, entre cochichos e lamentos, comentavam aquela perda irreparável. As beatas, saídas cada qual de sua casa, de véu preto, entoavam uma Ave Maria desafinada, porém condizente com o clima de comoção. As jovens senhoras sofriam caladas aquela perda, penosas por seus maridos e seus cargos políticos, tamanha atividade e influência exercida pela falecida. Observados pela professorinha que posicionou-se na porta da escola, os jovens rapazes, também sentidos, juntaram-se aos demais. Com um ramo de ervas na mão, calejada por inúmeras macerações, da janela de seu sobradinho simplório, a feiticeira local observava e mentalmente despachava aquela caridosa alma. O vigário em sua batina de luto, terço de madre pérola e livro de rezas em punho, veio juntar-se ao cortejo; enquanto do alto da janela do convento, impossibilitada de deixar a clausura, a madre superiora pedia ao altíssimo que reservasse um belo lugar no céu para aquela senhora, sendo acompanhada de perto por uma meia dúzia de noviças curiosas. O aleijado que esmolava na escadaria da igreja levantou-se e, em sinal de respeito, baixou seu semblante em direção ao chão, com a mão no peito. Os moleques, arredios e descalços, sossegavam nas soleiras das portas, só pra ver o caixão passar. Na fachada da prefeitura, a bandeira a meio mastro simbolizava o sentimento local, porém não mais que o rosto inchado do prefeito. O médico local, responsável pela assinatura do óbito, braços dados com sua mulher rechonchuda, choroso e comovido, vinha à frente do caixão. Pendurado ao sino na porta do cemitério, o coroinha chorava a ausência daquela que lhe forneceu inúmeros ensinamentos.

Meio dia, sol quente e cova aberta. Hora de bater o sino, hora de enterrar a defunta. Foi com pesar e lágrimas nos olhos que a população daquela cidadezinha do interior esquecida pelo mundo aplaudiu, enquanto descia à sepultura para descanso eterno, o corpo da cafetina, dona do puteiro local havia mais de cinqüenta anos.

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Barbara Nonato
Enviado por Barbara Nonato em 07/01/2012
Código do texto: T3427679
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