O Caipira

Deixou a roça e a lavoura e, com meia mala de roupas rotas, foi tentar a sorte na cidade grande. Chegando lá, nem sorte e nem grande. Via apenas quilômetros de asfalto sem mato, centenas de edifícios estendidos do chão ao céu e muita fumaça deixada pra trás pelos carros que passavam Aquele era o cheiro da cidade, sem damas da noite e sem aromas de campo; aquelas eram as luzes da cidade, sem fogueiras e sem vaga-lumes.

Os dias se arrastavam e, sem emprego, ele só pensava no dinheiro que tinha que mandar pra casa, pra mulher comprar o leite dos rebentos. Nem sempre a vaca magra esquecida no fundo do quintal podia suprir a cota de leite que os oito filhos consumiam… Mas na cidade não tinha plantação e só o que ele sabia fazer era plantar! Plantava até sonhos em solo infértil e ficava esperando pra ver brotar.

Sem condição de custear abrigo, na primeira semana dormiu embaixo da marquise em uma das avenidas do centro. Isso já era alguma proteção no meio daquela parafernália toda da cidade nova. Protegia até da chuva, desde que essa não viesse acompanhada do vento… Mas isso não era problema, com a natureza ele se entendia muito bem. O difícil mesmo era entender a cabeça dos ‘homi’ da cidade. Êta gente complicada! Quando pedia emprego e dizia que tinha chegado da roça, era dispensado; quando dava como referência de moradia a tal marquise no centro, era dispensado; quando dizia que não podia preencher a ficha por não saber escrever, era dispensado… Ele nunca precisou ler pra plantar suas batatas e alfaces, e ninguém avisou que isso faria diferença na cidade.

Com duas semanas na cidade grande, que já lhe parecia até pequena demais para o tamanho de seus sonhos, conseguiu um quarto pra dormir e um beco pra trabalhar. Ganhava cinco reais por dia trabalhado. Pagava um real por noite pra dormir e tomar banho no quarto; um outro real gastava pra almoçar num tal de restaurante popular que o governo havia fundado, onde a comida não era lá essas coisas, mas era a única fonte de sustância que ele podia pagar. Saco vazio não ficava em pé, e ele sabia que precisava levantar. Os três reais que sobravam por dia, ele juntava, e mandava tudo pra mulher no final da semana.

Até que em uma sexta feira, quando voltava da agência de correios de onde tinha enviado o cheque postal pra mulher, viu uma fila comprida na porta de uma loja. Ele ainda não sabia ler, mas conhecia números, pois era preciso pesar a produção de batatas e contar os pés de alface. Percebeu que na faixa esticada na fachada da loja havia muitos zeros e ele sabia que, depois de algum número, quantos mais zeros, melhor. Informou-se e descobriu que não era preciso saber ler ou escrever, ou ter endereço, ou ser da cidade; bastava rabiscar em cima de seis números de uma cartela. Aquilo ele sabia e podia fazer!… E mesmo representando algum gasto e reduzindo a mesada semanal da mulher e dos filhos, decidiu arriscar.

Viu um sonho ceder espaço a outro. Viu sua concepção de realidade se transformar. Ele já não era mais o matuto que veio tentar a sorte na cidade grande… Ele era o caipira que veio pra cidade grande esperar que a sorte o alcançasse e o levasse de volta pra roça, de onde nunca deveria ter saído.

***

Para acesso a mais textos: barbaranonato.wordpress.com

Barbara Nonato
Enviado por Barbara Nonato em 07/01/2012
Código do texto: T3427676
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.