MILAGRE

MILAGRE

Corria o ano de 1948 e ele trabalhava no Expresso Brasileiro, antiga e famosa empresa de transporte rodoviário de passageiros, como lubrificador. Tinha casado recentemente e estava cansado daquela vida na garagem, lavando e lubrificando ônibus, além do que o salário era uma droga. Precisava mudar de vida, pois logo sem dúvida, chegaria o filho e precisava ter condições de criá-lo com dignidade.

A oportunidade surgiu no início de 1949 quando um de seus cunhados procurou-o, oferecendo sociedade em uma banca de jornal. Pensou bem, fez as contas, e chegou a conclusão que era essa uma oportunidade rara, afinal o cavalo estava passando encilhado e não podia deixar de montá-lo. Pediu demissão da empresa, reuniu suas economias e entrou na nova atividade. Nos primeiros meses tudo ia bem e conforme previra, a esposa ficara grávida.

Porém, não sabia que seu cunhado era uma pessoa de má-fé e estava forrado de dívidas. Em maio de 1950 a banca foi tomada, pois tinha sido colocada como garantia de um empréstimo, que o cunhado havia assumido e não pago. Do dia para a noite viu-se perdido, desempregado, sem qualquer economia, aluguel vencido e sem dinheiro para pagar, e para complicar ainda mais a mulher no sétimo mês de gravidez.

Desesperado, pediu ajuda a amigos, que o acolheram e a esposa em uma casa, na qual passaram a viver no porão. Batia em muitas portas a procura de trabalho, mas nada aparecia. Fazia bicos que iam dando mau e mau para comer. O filho nasceu e ele não tinha como sustentá-lo.

Numa sexta-feira pela manhã, avisou a mulher que iria até o centro da cidade, pois ficara sabendo que estavam fichando em uma transportadora. Para lá se dirigiu, mas não teve sucesso. Ao tomar o caminho de volta para casa, desolado, parou em uma praça para pensar um pouco na vida e quem sabe imaginar alguma válvula de escape.

Estava só com seus pensamentos, quando percebeu do outro lado da praça um lindo automóvel Chevrolet 50, zerinho, preto com pneus de friso branco, para-choques niquelados e estofamento também maravilhosamente preto, enfim uma joia de quatro rodas. Ia ser sorteado no dia seguinte. Pensou, pensou, pensou e finalmente comprou um bilhete com seu último dinheiro.

Ao chegar em casa a mulher quase o mata, era um irresponsável,um idiota, burro e mais uma série de adjetivos e substantivos impublicáveis. Como fizera aquilo ? Devia estar maluco. Ambos não pregaram olho a noite inteira, somente o pequeno bebe dormiu a sono solto, como se previsse algo de bom.

Amanheceu o dia, e ele humildemente pediu a ela que o acompanhasse ao centro da cidade, para assistir ao sorteio do carro. O sorteio iria ocorrer ao meio dia, e as onze estavam os dois postados na praça, ele com a cara passada e ela ainda enraivecida, com o bebe no colo.

Era um grande evento, e o locutor após as papagaiadas de praxe iniciou o sorteio dos números. Tirou o primeiro, o segundo , o terceiro, o quarto e finalmente o quinto número. Ele quase desmaia, a mulher pula qual uma cabrita, estão ensandecidos, ganharam o carro.

Daí em diante iniciam uma nova vida. Ele põe o carro na praça e trabalha diuturnamente como motorista de táxi. Como o carro é uma grande novidade não lhe faltam casamentos, batizados, viagens a São Paulo, transporte de amantes e outras corridas não tão charmosas. Está feliz, faz a esposa feliz e cria o filho, que é este que vos escreve.

Arnaldo Ferreira
Enviado por Arnaldo Ferreira em 06/01/2012
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