A MULHER DO PADRE

A mulher do padre

Georgina estava cansada daquela vida difícil. À noite eles se amavam se amavam, se amavam. Antes do amanhecer ele dava um pulo da cama, corria até o banho, barbeava-se, pulava na moto e desaparecia para o outro lado da cidade. Ela ainda ficava na cama mais um pouco, pois só mais tarde, ela iria para o trabalho.

Desde o início ela sabia que ia ser assim, o amor dos dois, era vivido na penumbra. Já estavam juntos há três anos e meio e nada mudava. Domingo era pior, sentia-se abandonada. O que fazer?

Ela era a outra, a amante, a indesejável. Já o conhecera casado, sacramentado, daquelas uniões difíceis de divorciar. Em sua solidão, imaginava muitas coisas. Um de seus desejos era separá-lo para sempre de sua rival. Precisava amadurecer a ideia para que ele não desconfiasse. A mentira colou. Ele acreditou. Ela aproveitou o período fértil e engravidou.

Finalmente tinha para si algo de valioso. Quem sabe diante do fato consumado ele decidisse por ela e o filho que ela carregava no ventre. Quatro meses de longa espera, até que ele um dia notou o ventre da amada arredondado. Começou a unir as peças do quebra-cabeça, e um quadro pintou-se ao vivo a sua frente. Georgina estava grávida. Como? Isso não podia acontecer. Não precisou pressioná-la sabia ser desnecessário. Perguntou-lhe a queima-roupa:

- Quem é o pai? Ela ficou vermelha de raiva, o sangue subiu-lhe até as faces. Ela levantou a mão num gesto para esbofeteá-lo. Não teve tempo. Ele a jogou no chão com um sonoro bofetão. E saiu gritando: - Você não presta mesmo, é como todas as outras que conheci. As lágrimas teimavam em descer-lhe pelas faces avermelhadas de ódio, revolta e vergonha. No mesmo momento, o filho dava um repuxão em suas entranhas. Ela segurou o ventre, tentando segurar o tesouro precioso que carregava consigo.

À noite ele voltou. Estava diferente, era outro homem aos olhos da pobre Georgina. Pela primeira vez, seus olhos não o enxergavam com a paixão de sempre, e ela pode encará-lo como se fosse uma víbora disposta a picá-lo. Ele foi direto ao assunto, cravando com suas palavras várias lâminas na pobre mulher. – Eu já arranjei tudo, na próxima semana, na terça-feira pela manhã, vou levá-la a uma clínica. Você vai fazer uma micro cesariana, e ficar livre deste problema. E não se fala mais nisso. Você sempre soube que eu não posso me casar, nem ter filhos. Mandarei a irmã Maria ficar com você por um mês. Já está tudo arranjado.

Ela nada disse, apenas sentia as palavras dele penetrando sua carne, como se fossem lâminas afiadas e profundas. Reuniu o resto das forças que tinha e a coragem que estava guardada em algum lugar de sua alma. Conseguiu mandá-lo para fora de sua casa. Aumentou o tom de voz, e quase gritando, falava-lhe: - Vá embora, com sua proposta suja, não vou matar o meu filho.

No dia e hora marcados por ele, para levar Margarida até a clínica, ele veio até sua casa. Tocou a campainha várias vezes e ela não abriu. Por fim, começou a chutar a porta, até que ela abriu. Ele entrou, ela estava com os olhos inchados de tanto chorar. Não queria dar aquele destino cruel ao seu filhinho, ele já mexia em seu ventre. Porque teria que matá-lo? Ele não poderia apiedar-se dela e do próprio filho? Ele veio acompanhado da irmã Maria que parecia ser muito severa em seu hábito negro. Os três entraram no carro dirigido pela irmã Maria, e rodaram por quase uma hora e meia. Ela viu que tinham saído da cidade, estavam em outro município. A periferia da cidade era pobre e muito suja. Chegaram ao centro de uma cidade pequena. Poucas ruas, nenhum movimento àquela hora da manhã. Entraram num prédio alto e moderno. Foram atendidos por uma secretária indiferente, ela pediu os dados de Georgina preencheu uma ficha medica, perguntou mais alguns detalhes e desapareceu por uma porta. Voltou com uma enfermeira que explicou o procedimento para Margarida. Ela foi para a outra parte da clinica que ficava em outro andar, acompanhada pela enfermeira e a irmã Maria.

Quando ia ser anestesiada, começou a gritar e a chorar, debatendo-se quase arrancou o soro que já estava em seu pulso, continuou debatendo-se, mas logo perdeu a consciência, enquanto era levada na maca pelo corredor para a sala de cirurgia. Algumas horas se passaram e ela custou a voltar. Até que finalmente a irmã Maria respondeu aliviada e saiu de perto de seu leito. Do outro lado do quarto, pegou um pequeno celular e discretamente falou: - Padre pode ficar tranquilo, que está tudo acabado. Ela não quer aceitar, depois vai ficar bem.

Dois anos se passaram. Georgina sentia um vazio enorme dentro de si. Após o parto a irmã Maria lhe fez companhia por um mês. Ela recuperou-se fisicamente, mas sua alma tinha uma tristeza profunda, uma saudade dos tempos passados nos braços de seu amante. Ela deu-lhe o seu amor, sua carne jovem, seu sexo, seu gozo, sua virgindade. Ele roubara-lhe o único sonho real que ela guardava dentro de si, para ofertar-lhe no altar sagrado do amor que nutria por ele. Sua rival a vencera. A esposa para quem ele dedicava todo o seu amor, toda a sua vida, toda a sua alma. Georgina nada podia contra esta esposa que arrebatava o amor dos homens crentes como ele. Não sentia sequer revolta, não podia lutar contra ela, a esposa verdadeira. Preferiu empurrar para o fundo de sua memória tudo o que viveu ao lado dele.

Ele continuava casado com sua esposa fiel, e todas as manhãs pulava bem cedo, da cama de qualquer nova amante, subia correndo na moto e ia para os braços de sua esposa, a igreja, que o esperava com as portas abertas e cheia de fiéis, aguardando-o para celebrar a missa. Ele vestia rapidamente a batina e apresentava-se no altar, como bom sacerdote que era pronto a perdoar os pecados dos outros em nome do Senhor.