Bullying show: o tímido

Ela dum lado da sala, eu de outro, e mesmo assim berra meu nome. Depois comenta com as amigas próximas: ele é meu novo amigo!

Uma penca de olhos em mim. Só faltam os holofotes para ser um circo, e eu a atração principal.

Eu só sorrio sem me mexer. Não conheço ela, nunca falei com ela. Sequer sentamos do mesmo lado da sala. Mas ela insiste. Chama de novo e agora fala ainda mais alto: vem cá, amigo!

Trocentos mil olhos em mim. As orelhas queimam. No levantar derrubo o caderno. Agora é a cara que arde. A garota não perdoa: olha! Ele tá vermelho!

Pronto, foi o que faltava. Virou um show.

Todos olham. Nem adianta tentar controlar a vergonha e a vermelhidão. Ouço uns comentários ao fundo, 'nossa, como é tímido', ou ainda 'tadinho dele'.

E só piora.

Meu sorriso tá duro, seco, parece que vai dar cãibra ou então os lábios vão rasgar numa flor de sangue de tanto forçar um sorriso espontâneo.

Chego perto da garota, e nisso outras já estão ali também. Fazem um monte de perguntinhas bobas, no tom e no conteúdo daquelas que se faz pra criancinhas semi-alfabetizadas. Uma das garotas até corrige minha postura: não cruza a perna assim, é coisa de mulher!

Minha cara arde, parece que vai derreter. Minhas orelhas devem ser dois tomates, eu sinto.

Eu podia dizer alguma coisa. Assim que isso acabar acharei um milhão delas que eu poderia ter dito. Mas não sai, nada sai.

Não consigo prestar atenção no que dizem, no que falam. Minha concentração não existe mais. Só não queria estar ali, não daquele jeito.

O sol podia iluminar a noite, o céu encher-se de meteoros, a terra tremer e uma boiada passar pelo corredor ali fora: eu não veria nada, continuaria existindo somente para meu constrangimento e vermelhidão...

A professora chega. O show acaba. A plateia decepcionada volta a se sentar. Estava tão divertido!