Conto de Ano Novo - O fim do mundo na passagem do ano
Para Flavio Adriano Nantes com quem partilho Literaturas e vivências, mas acima de tudo pelas perguntas que são maiores que as respostas.
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Meu último conto do ano
O fim do mundo na passagem do ano
Era apenas um menino. E sempre ia ser sob a luz da explosão de bilhões de supernovas.
Esperança onde está você? Você que entra deixa seu espírito no passado...
A cidade era aquela. Não importa se grande ou pequena, pois todas as cidades estão mortas. Todas as almas habitam um só sentimento. O novo ano vem chegando e ninguém olha pro lado e pergunta “e aí?”.
Ele deixou a escola. Não sabe o que é mãe. Nem pai. E aí? Eu me pergunto. Não há resposta. Não há resposta de nenhum desses que andam de branco. Não são anjos. Não são nada. Nada!.
Ele anda pelas calçadas da praia só pra ver a explosão das estrelas. Ficou sabendo que o mundo acabaria naquela dia de virada de ano. Arcaicos oráculos profetizaram a destruição do mundo inteiro no último badalar da meia-noite.
Era só o que conhecia do mundo. O vasto mundo que engole os marginais na noite de ano novo.
Nem por isso se perguntava o que era. Não foi a escola e cheirava cola.
Seu nome era Cristian Anderson. Era só o que sabia do mundo e de si mesmo.
E antes que as luzes piscassem no céu anunciando o fim do mundo ele veria este fim. O fim de tudo e de si mesmo.
10. A contagem regressiva anunciava. 10 segundos para o aniquilamento completo.
Ele começou a pensar ou imaginar como só as crianças sabem fazer.
Quem era no vasto mundo. Pensou em seu pai, Raimundo. Pensou na mãe Iemaá estava ela na praia com muitas oferendas. Sua mãe era tão grande como o fim.
09. E ele cheirou a lata de 600 ml de coca cola com cola dentro. Prenunciava a explosão bombardeada do mundo. Era um profeta de fim de ano com os augúrios do futuro. Luzes piscavam diante de seus olhos. Os pés frágeis e descalços na praia longe de toda a gente de branco que não era anjo.
08. Ele jogou areia no rosto. Pra acordar e estar lúcido do fim. Do próprio fim. E se perguntou se era filho do homem e da mulher. Não. Ele pensou que isso era pouco pra um negrinho roto que não parecia anjo como os outros. Era filho também de Iemanjá. E na sua inocência era mais anjo que os de branco que sequer sabia que existia. Mas todos eles, todos eles iam ver o próprio fim.
07. Apenas sete anos. Sete anos e nenhum fósforo para contribuir com o fogo que consumirá o mundo. O mundo todo de branco das almas. O branco do calar. O branco inumano da não inumar para sempre. O pó inviolável das estrelas sem consciência humana. E isso o deixava feliz. Feliz porque as estrelas não iam aponta-lo como o negrinho. Como o órfão. Como A DOENÇA como as mães diziam aos filhos brancos na pracinha. E ele pensou: “São todos brancos, filhos de Iemanjá. Estão todos na areia da praia saudando minha mãe”. O pai morrera num tiroteio, mas antes lhe confidenciara o segredo. “És filho dela. De Iemanjá!”. E morreu o trapo de carne estatelado no centro do Rio.
06. O garoto viu que uma centena de pessoas na areia que, prematuramente ,abriam a champanhe da própria cidade francesa pra ficar um pouco como ele: alheio ao fim. Ao fim de tudo.
05. Só lhe sobrara o suficiente para cheirar uma vez mais. Que fosse para o último segundo. Para anestesiar a dor de SENTIR o fim. A destruição de todo o que vive e respira. E pensou. Por que não branco? “És filho de Iemanjá, filho”. E se resignou. Nem por isso seus olhos se encheram da lágrima mais cândida e chorou. Não se vestia de branco. Mas sua lembrança remota trazia a única lembrança da mãe. “Tu, meu filhinho querido, és um anjo”. E se viu no reflexo que a luz amarela na garrafa de cola produzia. Era um anjo no meio daqueles em branco das cabeças aos pés.
04. Só o bater do coração. Não estava rápido. Estava tranquilo.
03. Como a eternidade pode estar entre um segundo e o outro? Pra quem ama isso é fácil. Mas para uma criança que ainda não conhece esse amor?
02. Ele ouviu tantas risadas. Se perguntou como os homens podem sorrir diante da imensa desgraça. Todos eles em suas indumentárias brancas. Querendo parecer tão puros sem o ser realmente. Oh, criança. Não chora!
01. Uma última cheirada na cola. Profunda. E com ela um único pedido. Que é isso que há pra meninos negrinhos sem pai. A mãe, Iemanjá. “Quero viver! Só quero um abraço. Quero meu pai. E minha mãe que não é Iemanjá. Quero viver e ser doutor”.
E os fogos rompem ofuscando as lágrimas do menininho morto num cantinho sujo entre o calçadão e a praia. Tudo se apagou na frialdade da felicidade alheia. E todos os de branco sorriem. Enquanto um negrinho mínimo morre na beira da areia sob a explosão dos fogos do fim do mundo da sua vida anônima. E o fim do mundo foi apenas para ele que nada teve e sempre esperou demais do mundo e das estrelas. Esquecido e tapado por um lençol branco às 11 da manhã do dia primeiro de janeiro de 2012 sob às vistas do Cristo Redentor de braços abertos. E na praia só havia lixo: dejetos daqueles que estavam de branco, mas as oferendas de Iemanjá cobriam seu corpo por inteiro na maré do final da manhã. As flores eram todas brancas.