Só história

Eu não sei quanto a vocês, mas eu fui condenado a andar pelo mundo encontrando falastrões, é sério, onde quer que eu vá eu conheço aqueles tipos que são no mínimo fantasiosos, sabem como é. Vou contar pra vocês do Roberto.

O cara era o maior falastrão, não gosto de gente assim. Tudo ele já viu, já leu, já experimentou, já teve. Um dia vou perguntar se ele já deu. Ah, me poupe! Sentei no refeitório meio dia em ponto e a fila da comida continuava a crescer. Sentei-me junto ao João, cara humilde, trabalhador, gente finíssima, uma simpatia. Vez ou outra a gente joga uma conversa fora, não somos íntimos, apenas colegas de trabalho, mas posso dizer que tenho muita simpatia pelo rapaz. O problema é que estávamos em uma mesa até então relativamente vazia e não demorou pra o Roberto chegar. E sabe que esses caras são espaçosos, precisam de espaço pra gesticular, pra inflar seu ego e coisas do tipo.

“E aí Rapaziada, qual é a boa?”. Pela primeira vez eu tinha desejado ter colocado pouca comida no prato, mas tava no começo do prato e ainda estava abarrotado de feijão, arroz, farinha, aquela argamassa que vocês conhecem. Eu teria que ficar ali no mínimo mais 8 minutos pra dar conta do recado e teria assim que ouvir as histórias do Heródoto dos tempos modernos.

“Nada demais, o mesmo de sempre”, resmunguei com a boca cheia.

“É, nada mesmo”, respondeu João.

“E as férias, vão ficar por aqui mesmo?”, puxou ele conversa.

“Humhum” foi o que eu disse. Eu juro pessoal, eu não sou mal humorado, anti-social ou coisa do tipo – embora às vezes eu tente – mas aquele cara me dava nos nervos.

“Eu estou sem programação ainda. Alguma dica?”. O João é daquelas caras que possuem a maior sinceridade nas coisas que fala, se ele pergunta algo não é apenas por educação. O problema é que mostrar interesse por algo pra pessoas como Roberto não é legal, pelo menos, eu penso assim.

“Noronha! Muito lindo o lugar, todo mundo devia dar uma passadinha lá”, exclamou ele.

Começou! Tudo bem, vocês podem até me condenar e pensar “Pô, qual o problema de ele ter ido a Noronha?”, eu sei, eu sei, é bem normal ir lá, mas tinha que ser ele a falar que foi? O cara é um pé no saco.

“E você Branco? Vai pra onde?”, perguntou ele.

Deu vontade de falar “pra puta que lhe pariu”, mas não falei, no refeitório iria ser o maior alvoroço essa deselegância da minha parte. Tive que voltar a repetir que pretendia ficar por aqui.

“Não sei ainda. Mas acho que vou ficar por aqui mesmo”, dito isso, coloquei o braço em volta do prato me curvei e me concentrei na comida.

“Eu não consigo ficar em casa durante as férias, tenho que viajar. Minha última viagem foi pra o México”.

“México?”, perguntou o João entusiasmado. Fudeu! Quando um falastrão percebe que o interlocutor mostra interesse ele desatina a contar história, eu avisei. O João não devia saber nem onde era o México – que preconceito da minha parte –, aí o terreno era fértil pra o Roberto fantasiar tudo quanto fosse história. Dei uma de desentendido, de sem braço, fiquei ali ouvindo a lorota.

“Sim, México. Muito bonito o lugar, fiquei em Cancun”.

“Gostou?”, perguntou João.

“Muito. O local é maravilhoso, praias desertas, areia fininha, belas moradias. Fiquei em uma casa alugada lá. Tirei um dia também pra ir à cidade asteca de Chichén Itzá.”

“Hum”, resmungou o João.

Chichén Itzá, só rindo. Continuei ali dando uma de sem braço, ele contava as histórias e eu apenas fingia uma cara de “nossa, que legal” e voltava atenção a comida.

“O México foi legal, mas a gente tem que valorizar nossa terrinha também né? Já foi na Chapada dos Veadeiros?”

“Não, nunca ouvi falar”, Inocente João.

“Não dá nem pra explicar, o lugar é maravilhoso”. Se não dá pra explicar o que se deveria fazer era calar a boca, mas ele não, ele fantasiava.

“Tem um lugar chamado vale da lua. É magnífico, parece a lua mesmo”. Pronto, só falta falar que foi na lua.

“Tem Cachoeiras lá?”, perguntou o curioso João.

“Só tem. Muitas cachoeiras, fiz até rappel”. Até me engasguei com a carne após ouvir essa. Não era novidade pra ninguem o medo de altura do Roberto e agora ele já tinha feito até rappel.

“E bang jump, você já fez?”, perguntei com certa hostilidade, ele percebeu, mas não freiou a língua.

“Ainda não, mas meu pai já, falou que é sensacional”. Pra não sair perdendo o cara põe até o pai no meio.

Ao meu lado tinha chegado um pessoal que até o momento só falava sobre cinema, eu até tentei prestar atenção na conversa, mas Roberto não deixava. Conhecia todos de vista, empresa grande sabe como é, você fica ali no seu setor e acaba por conhecer os outros só de vista. Falavam algo sobre uma estréia no cinema, não sei o que é, mas o Roberto tem ouvido de tuberculoso.

“Esse filme não é muito bom não, a fotografia é até boazinha, mas o roteiro é muito fraco”.intrometeu-se. Tomei um susto quando ele disse isso, o cara se metendo na conversa dos outros e ainda por cima dando uma de crítico de cinema, cortou o barato do pessoal.

“Ah, valeu!”, respondeu a mocinha do outro lado. Devia tá se perguntando, “Quem é esse babaca?”.

“Eu não sou nenhum cinéfilo, não gosto muito de rótulos, mas de filme eu entendo”, comentou isso e me cutucou.

“É?”, perguntei meio desinteressado.

“O melhor diretor de cinema na minha opnião é o Brian de Palma, aquele filme mesmo que o Di Caprio é ator principal, como é o nome mesmo?”

“Titanic?”, respondeu João. Eu ri.

“Não”

“Realmente não sei”, respondi. Fiquei ali pensando, Brian de Palma e Di Caprio? Esse eu não tinha visto.

“O Aviador!”, respondeu ele, saltitou e tudo. “O Filme é demais, que direção, que atuação do Di Caprio”. Fiquei meio angustiado, mas continuei dando uma de sem braço.

“É, você parece que entende mesmo”, respondi com certa ironia.

Nem sempre a gente acerta, demorei 10 não 8 minutos pra terminar o almoço, mas enfim consegui. Pedi licença e me retirei.

Leandro Lopes
Enviado por Leandro Lopes em 31/12/2011
Reeditado em 01/01/2012
Código do texto: T3415992
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