A Patricinha
A Patricinha
Ela morava há um mês na comunidade. E já fizera um levantamento de todos os homens disponíveis no pedaço. Começou com o motorista da van, depois passou para o pintor de carros, o pedreiro, o padeiro, o eletricista, o desocupado, o traficante, e tantos outros. Nenhum tinha o tipo físico, a cor, o cabelo, ou a sensibilidade, ou a delicadeza que lhe agradasse. Além disso, ela sabia que todos eram casados, e moravam com suas respectivas Donas Encrencas, ou eram comprometidos de alguma forma. Já estava aborrecida consigo mesma, pois precisava manter o padrão de ser melhor do que todas as outras. A boa moça, que andava bem vestida e calçada, tocava piano, funcionária pública, prendada, estudada, pobre vítima da sociedade, que não era aceita pela família, fora abandonada pelo marido, seus irmãos só queriam tirar seu dinheiro, os colegas de trabalho eram todos corruptos e injustos. Ela sentia-se deprimida, só e abandonada. Não comentava com ninguém, as sutilezas de sua vida. Abandonara o marido, pois não suportava ter que fazer qualquer coisa para ele, saíra corrida da casa da mãe, pois tinha péssima conduta moral, e envergonhava a todos da família, no serviço era intolerante, chegava sempre atrasada, faltava, e fazia trança dos colegas de trabalho. A única gravidez que teve, preferiu abortar, para não estragar o corpicho.
Chegara aos cinquenta anos, aparentando setenta, e não cansava de recontar o passado, e todas as suas tristezas para as pessoas que acabara de conhecer e sequer tinham vontade de ouvir tantas intimidades.
Até que o eletricista começou a frequentar lhe a casa. No inicio, ele vinha tímido, com um pouquinho de cheiro de bebida, ele entrava, tomava café, despedia-se e ia para a casa dele, na mesma rua. Dizia-se separado, com dois filhos adolescentes. Começaram a se encontrar, e ela ficou mais séria, deixou de reclamar da vida, desfez-se do cãozinho, seu único companheiro, e aí começou a reclamar para o eletricista, que o pintor lhe assediava e tantos outros.
A vizinhança feminina começou a olhá-la de banda, depois que ela começou de caso com o eletricista. Começou a espalhar pelas pequenas ruas da comunidade, que ia sair do aluguel e ia morar com o eletricista na casa que era dele. Até que a novidade chegou aos ouvidos da ex do eletricista. Ela ficou furiosa, pois havia se separado há pouco tempo, e na verdade a casa que ele morava pertencia à família da ex. Ela o largara porque não aguentava mais tanta bebida. Certa noite, quando chovia miudinho e não tinha viva alma na rua ela foi escondendo-se pelas sombras para a casa do eletricista. Uma vizinha dela, que sabia de toda a sua vida, uma “amiga” inseparável, imediatamente ligou para a ex. Cinco minutos depois, a ex entrava casa adentro do eletricista e deu uma surra na Patricinha, que a deixou caída, ali mesmo, no escuro. Quase desmaiada, mal se sustentando nas pernas, dois meninos adolescentes, filhos de outra vizinha, a ajudaram a chegar a casa. Prestaram-lhe este imenso favor, porque ela também já tinha dado uns amassos com os dois meninos.
Em casa, olhou-se no espelho, e viu a mancha roxa enorme do lado esquerdo. Não dava para esconder com o cabelo. Ligou para a central de táxi, assim que se sentiu melhor, juntou alguns pertences em uma bolsa e se mandou. Três dias depois voltou com duas muralhas, que chamava de primos para tirar os móveis, roupas e todos os pertences da casa que tinha alugado. Jurou nunca mais colocar os pés naquela comunidade. Quando ela descia a rua, a amiga espiava por detrás das cortinas e jogava-lhe pragas: - Vai cadela do inferno, para onde viestes, quando desencaminhastes minha filha Virginia, quando a levastes para as ruas, ensinando tuas maldades e fazendo com que ela contraísse a maldita doença que a levou, há cinco anos, eu jurei que me vingaria, isto é pouco. Cadela do demo.
A ex do eletricista não estava satisfeita com a surra que dera na Patricinha, pois soube que ela andava assediando sua filha mais velha com promessas irrecusáveis. Descobriu o novo endereço da loura falsa, e fez-lhe uma visitinha surpresa, enquanto ela roncava, depois de ter ingerido uma dose excessiva de pó. Cortou-lhe a garganta com uma navalha fininha, e abafou-lhe a cabeça com o travesseiro.
Saiu para a noite enluarada que fazia lá fora. Alguns cães ladravam com os focinhos para o alto como se saudassem a Tríplice Hécate.