A menina que lia
Era uma vez uma menina que gostava de ler e escrever.
Desde muito nova aprendeu a ler nos símbolos o nome das coisas, como bancos e postos de gasolina, aos poucos absorvendo letras e depois palavras. Tudo em relação a escrita a interessava, e tão logo aprendeu a ler e escrever começou a ganhar livros.
No começo eram livros com muitas figuras e poucas palavras, mas o gosto pela leitura é como um bichinho que quando pica, não tem mais volta.
Na escola, lia avidamente tudo o que lhe passavam e mesmo não sendo a melhor das alunas, ganhou destaque em português, sempre sendo chamada para interpretar os textos em sala e criando poesias.
Aos 13 anos, seu pai lhe deu o livro O Mundo de Sofia, cujo o fim lhe deixou indignada mas que abriu as portas da curiosidade. O que se pode aprender com as páginas de um livro?
Quão longe se pode ir com a imaginação, pensava.
Logo depois seu pai adoeceu seriamente e junto com a adolescência veio os questionamentos e a revolta de uma pessoa que não entendia o motivo de alguém tão bom como seu pai sofrer tanto.
Desligada das pessoas e do seu ambiente escolar, esta menina usou seus livros para se esconder de um mundo que ela não apreciava.
Nesta época conheceu Harry Potter. O bruxo que assim como ela também tinha uma vida bem solitária até certo ponto e cujo os maiores aprendizados recebeu quando tinha que enfrentar um grande problema sozinho.
Esta época trouxe pra essa menina um grande amigo, de páginas sim, mas um herói. Alguém que no fim sempre via um caminho.
Nesta mesma época, leu pela primeira vez o absurdamente longo O Senhor dos Anéis. Com Frodo e os outros, entendeu novamente que não é preciso ser um nobre para ter um grande papel no mundo.
Na ficção tudo é mais compreensível, na realidade, seu pai estava muito mal e a relação com a sua mãe não ia nada bem.
Sua escola era católica, mas aquela fé não combinava com suas questões, com seu medo e solidão... Sim, mesmo estando cercada de colegas, seus amigos geralmente eram muito mais velhos, então na escola se sentia isolada e complexada. O pai tinha muita idade, a mãe muito jovem e com o peso do mundo nas costas. Não havia tempo para reparar o suficiente na menina que crescia e criava suas próprias opiniões.
Um dia ganhou um livro chamado A Viagem de Theo. Mais uma vez seu mundo ganhou uma nova janela, pois no livro o personagem Theo era um jovem rapaz muito doente que ganha de sua tia uma viagem pelo mundo para conhecer culturas e religiões diferentes.
Daí em diante tudo o que se tinha para ler sobre religiões a menina leu, tentando buscar uma explicação no caminho que a vida da sua família estava seguindo, e passou a entender lá no fundo que a morte do seu pai talvez fosse algo além do que eu pensava. Que seu corpo estava deteriorado e precisava descansar, mas sua alma ainda queimava e tinha que se libertar para seguir seu próprio caminho.
Conheceu o paganismo no mesmo ano que o pai faleceu, mudou de escola e iniciou uma nova etapa.
Com 15 anos já trabalhava com a mãe aprendendo algumas coisas, comprando mais livros...
As vezes, quando lhe faltava dinheiro recorria a coleção de livros dos pais e descobriu uma curiosa pérola: Fernão Capelo Gaivota. Um livro que trata de entender que a vida é muito mais do que essa que vivemos, que existimos para aprender.
Releu O Mundo de Sofia, releu O Pequeno Príncipe e entrou na época dos clássicos brasileiros devido os pedidos da escola, das aulas de literatura.
Fez um grande amigo, mas não dá para agradar a todos... saiu no segundo ano do ensino médio e foi estudar seu ultimo ano a noite em escola estadual. Trabalhava e tinha um namorado, mas o relacionamento com a mãe sempre estranho...
Escreveu seus próprios contos, iniciou e não terminou dezenas de livros e sonhou em se tornar escritora. Como ela podia ler tantos livros maravilhosos e não ter ideia para os próprios? Isso é de matar qualquer um!
Um dia, descobriu que ler e escrever são coisas que exigem prática. Se você passa muito tempo sem pegar em uma caneta, sua letra fica horrível. Assim como não ler torna a sua gramática fraca.
Passou a reler grandes títulos que teve até então, e cada relida entendia algo diferente.
Se formou no colégio e decidiu fazer jornalismo. Seguir os passos do pai. Na faculdade leu Admirável Mundo Novo. Mais uma portinha se abriu... como algo que foi escrito ha tantos anos pode ser tão atual?
Saiu da faculdade no ano que ficou grávida sem planejar e a vida virou de ponta cabeça. Aquele grande amigo do passado se tornou um confuso pai também e ninguém sabia lidar com essa situação.
Mas a gravidez aproximou essa menina, agora mulher, de sua mãe.
Veio a criança, junto com ela muita alegria e também preocupações, com o futuro dele, com o dela... Ser mãe solteira até hoje não é tarefa das mais simples.
As coisas ainda não se arrumaram completamente, mesmo 3 anos depois do nascimento, mas muito se ajustou. Hoje mãe e filha são a fortaleza uma da outra, o menininho as uniu para sempre.
E este menino vai crescer sendo livre para poder escolher a própria crença, vai ganhar muitos livros mas acima de tudo muita presença e amor. Um capítulo por vez, a menina lerá para seu menino todas as coisas lindas, até que ele saiba sozinho escolher o que ler e o que vai ser.
Este conto não acaba, cada dia algumas linhas são adicionadas.. novos livros vão abrindo portas...