O homem-salsão

O homem-salsão

Dia normal. Tinha tudo para ser...
Sai atrasado... Quase bati o carro... E quase me bateram.
Fila para usar a catraca... Gente apressada! Pagando caro para ser maltratados. Escada rolante quebrada, idosos em demasia... Dia normal, depois que se entra no vagão ao mesmo tempo em que todos querem entrar. A gravata ficou, mas eu entrei! Contorce daqui, contorce de lá: consegui! Cheguei perto do ferro do banco do lado direito. Ferro na vertical. Parece sonho, as oito da manhã, cobiçar aquele lugar...
Quando nos livramos daqueles homens grandes, de costas grandes da altura da porta de entrada...! Quando se livra daqueles cujos bancos são preferenciais...! Não se consegue livrar dos baixinhos e gordinhos que também almejam o lugar. Que pré-conceito que nada!Tome o metrô sem café e veja!
Sinta quando algum negão te passar a mão... Dor nas costas. Dor de ouvido...
Você já pegou uma condução que já vem com um barulho embutido? Campanhia estridente, MP3 com defeito, a moça ao lado não deve ter mais tímpano – Funk de manhã é pior que levar uma bolada no pé. Aquilo logo cedinho acaba com o meu humor. Engoli. Cutuquei um. Fiquei mas perto do ferro da vertical, bem no meio do vagão. Vagar, vagado, vagão... De onde será que tira esta palavra?! Dá uma idéia de espaço, mas não é isso não! A ventilação me alcançava e frio não estava.

O bichão em movimento, o som das palavras, nas falas das tragicomédias que se falava por ali e que eu não queria ouvir. Engoli. Mas não queria mesmo, saber de nada do que eles diziam. Será que sou normal? Não gosto dessas conversas que se fala pela manhã. Parece que todas as perguntas e respostas são previsíveis. Olhei para fora, já estava no Carrão. A moça sentada perto das minhas pernas mexeu na bolsa e pegou seu kit-metrô. Maquiagens e coisinhas afins e começou sua transformação. Ela não era bonita e a sua feiúra era como a minha: suportável. Mas após alguns minutos, maquiagens e ungüentos, a feiúra nela ia desaparecendo. Batons, rímel, creme, pó e mais creme.
A seqüência dos tratos não parecia obedecer algum critério, mas olhando para outros assentos do vagão, havia mais mulheres fazendo a mesma consagração. Mulheres de areias... Clonadas por necessidade... Cidade grande não faz distinção. Mas seu eu disser que num metro existe cada tipo, vão dizer que sou racista ou pratico bulling. Engoli. Algo me chamou a atenção. No banco ao lado daquela senhorita havia um rapaz, bem vestido, pele clara, oitenta por cento branco, (Aqui a cor das pessoas deveria ser tipificada em porcentagem, para mostrar a verdade) cabelos castanhos claros, estados para cima, do tipo “susto no gato”.
Dia normal. Rapaz normal. Tudo normal... Mas o rapaz segurava, alisava e conversava com o salsão. Não é fofoca da Candinha. Não foi só eu que notei... Alguns passageiros cochichavam com os do lado, outros tapavam o riso com a mão. Era engraçado de se ver... Mas ao mesmo tempo dava vontade de bater. Assim chegamos ao Tatuapé. É bom e curioso olhar o semblante das pessoas numa aglomeração. Aprendi a decifrar a fisionomia do meu chefe, do gerente, do diretor, do supervisor, e daquele Office boy puxa-saco, olhando assim. Nas segundas feiras, as faces são desanimadas.
Quando acaba o gás e não se tem dinheiro para repor. Cara de botijão! Há também as faces amarrotadas pela ressaca e comida em demasia. Sempre há exceções: uma ou outra cara de satisfação. Talvez sexo na madrugada... Nas terças feiras as expressões são de pessoas apressadas, daqueles que querem fazer o tempo correr de qualquer jeito. Os dor-de-peito. Nas quartas há uma divisão: os homens saem ansiosos querem ir trabalhar. Ansiosos pela hora do almoço. Biritas, beber ao defunto, torresmo, aquela peituda no balcão... As mulheres inconformadas, porque, lá pelas onze da manhã, haverá liquidação de calcinhas e soutiens.
Na quinta as expressões são de cansaço. Algumas expressões inconformadas, algumas descrentes, outras com expressão de dor. Dentista ou de algum doutor. Agora tem doutor pra tudo! Com a mesma mania de aplicar injeção. Tudo evolui nesta cidade, mas essas peças de tortura continuam a mesma. Belém agora... Além de falar com o bendito salsão e alisava o legume.Tente vê-lo. Se na sua imaginação se torna cômico, patético esquisito imagine vivê-lo! Nesse ínterim, mais pessoas observavam a berração. Na sexta feira , a vida da gente fica mais acelerada – e o coletivo não quer rodar, seguir, terminar com aquela aflição! Parece maldição: quase bato meu carro. Quase apanho. Sou empurrado no vagão.
Quando entro é musica tola e a lerdeza da condução... E, para adoçar meu mocotó, um louco alisando um maço de salsão! Talvez o cara fosse andrógino. Andrógino... Essa palavra é bonita. Repensei. Engoli. Talvez o caro fosse louco. Talvez fosse como eu... Um estressado na estação do Braz, que não vê a hora de descer e ir trabalhar.
Quanta gente! Por que será que inventaram o horário de verão? Por que será que inventaram essa maldita baldeação. Se não cabia no Tatuapé, como irá caber os da Roosevelt? Será que um dia ficarei como aquele rapaz?
Elegante num trem lotado, alisando e falando com um salsão...

De Magela

(Baseada em fato verídico relatado por Nainá Araujo, parceira nas “viagens” pelo metrô)


DE MAGELA POESIAS AO ACASO
Enviado por DE MAGELA POESIAS AO ACASO em 15/12/2011
Código do texto: T3390561
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