Seu Benedito
Todo domingo eu almoçava na casa de dona Neuza, uma senhorinha baixinha, gordinha, de temperamento e tempero fortes. Cozinhava muito bem e me cobrava razoavelmente pouco pela quantidade de comida que servia. Num desses domingos , quando voltava da casa de D. Neuza, e passava pela praça da matriz, avistei sentado em um banco, o seu Benedito. Como de costume ele estava vestido muito elegantemente em suas roupas engomadas e usando um chapelão de palha, a fim de se proteger do sol escaldante do verão do sertão sergipano. Seu Benedito Antonio Cruz e Andrade de Barros Couto, era um senhor de 75 anos. Magro, pele muito branca, olhos azuis e sem nenhuma barriga - o que me dava um pouco de inveja, já que não tenho nem metade de sua idade, eu tenho 32 anos, e estou bastante fora do peso ideal -. Ele era desembargador aposentado, fazendeiro, dono de inúmeras vacas leiteiras e de uma queijaria que produzia os melhores queijos coalhos e requeijões da região. Além disso, seu Benedito era um dos homens mais cultos que eu já conheci. Em sua ampla casa encontrava-se uma biblioteca de dar inveja a qualquer imortal da academia. Biblioteca que eu frequentava com bastante assiduidade a fim de emprestar alguns livros. Ele também gostava de contar alguns casos. Casos, um tanto quanto, surreais e fantásticos. Na verdade, seu Benedito era um grandíssimo de um mentiroso, um verdadeiro mitomaniaco.
Fui me aproximando e disse:
_ boa tarde seu Benedito, como tem passado?
_ Está tudo muito bem doutor Pedro, estava mesmo esperando o senhor.
_ É mesmo, o que houve? -Já tinha pedido várias vezes para ele não me chamar de doutor, porém, ele insistia-. Algum problema com as vacinas que eu mandei entregar na fazenda?
_ Nenhum problema com as vacinas, é que estou precisando de um favor, está com muita pressa?
_ Não - menti, estava doido para chegar a minha casa e ligar a televisão para ver o jogo do flamengo, hoje ia ser um jogão não queria perder-, qual é o favor?
_ É que meu motorista, o Renato, teve que viajar, foi visitar a filha que está doente. E eu gostaria de ir até a fazenda, será que o senhor poderia dirigir o carro para mim.
_ Claro que posso. Não sabia que o Renato tinha uma filha. - Renato era um sujeito alto, barbudo, com um nariz achatado, cabelo encaracolado, que usava uns óculos de armação quadrada e dono de uma poderosa voz que fazia sucesso cantando toadas tristes nas vaquejadas-.
_Ele tem sim. Ela mora em uma cidadezinha do interior de Minas Gerais, o nome da cidade é Santo Cristo. Conhece?
_ Já ouvi falar. E qual é o nome da filha do Renato?
_ É Maria Lucia.
_ Ah tá bom, e nome do marido é Jeremias?
_ Isso eu não sei não. E porque o nome seria Jeremias?
_ Esquece seu Benedito. Então, vamos pegar o carro?
Caminhamos conversando sobre livros. Ele falou que estava lendo um livro que narrava o encontro de um sujeito com Deus. “Um livro bem interessante” ele disse. O autor, do tal livro, é Willian P. Young. Em poucos minutos chegamos a sua casa e nos dirigimos à garagem, seu Benedito me passou as chaves e seguimos para a fazenda.
A fazenda ficava a 8 km da cidade. Aqui vou abrir um parêntese para me apresentar formalmente. Meu nome é Pedro Raul Alcântara, tenho 32 anos como já tinha dito, fora do peso, fumante, bebedor contumaz, hetero, não custa nada mencionar, já que hoje em dia está tudo muito moderno, tudo muito junto e misturado, então é melhor explicar para que não paire nenhuma duvida. Sou formado em Engenharia Agronômica pela Universidade federal de Sergipe, sou formado há seis anos, presto consultoria a alguns fazendeiros da região, no entanto, vivo mesmo e da minha loja de produtos agropecuários. Moro em Josilândia há três anos, cidade situada na zona do sertão sergipano, com aproximadamente oito mil habitantes, distante 140 quilômetros da capital.
Enquanto dirigia percebi que seu Benedito estava com uma expressão grave, ar de preocupado.
_ E então seu Benedito algum problema com suas vaquinhas?
_ Não meu filho, as vacas estão bem, o problema e com o Cavalheiro da Tempestade.
_ Com quem?
_ Com o meu cavalo.
_Ah tá bom. E o seu cavalo se chama Cavalheiro da Tempestade.
_ Isso mesmo.
_ Esse nome me lembra uma música, mas, o senhor não deve conhecer.
_ Riders on the Storm
Olhei incrédulo para seu Benedito, que me fitava com um sorriso no canto dos lábios
_ O senhor conhece essa música?
_ Conheço sim, e também conheci o Jim
_ Que Jim? Perguntei espantado.
_ Jim Morrison
_ Ah tá bom, o senhor está dizendo que conheceu o Jim Morrison vocalista da banda americana The Doors.
_ Isso mesmo, inclusive, o nome do meu cavalo é uma homenagem a música de meu velho amigo.
_ Mas isso é inacreditável. Conte-me como foi isso.
_ No começo dos anos 60, fui aos Estados Unidos, mais precisamente para Los Angeles na Califórnia. Fui fazer um curso de Direito Internacional na universidade de L.A, e na época Jim fazia o curso de teatro lá. Lembro-me muito bem do primeiro show que vi de Jim, ele cantava de costas para o público porque era muito tímido e não conseguia encará-lo. Depois tomou gosto pelo palco e, deu no que deu, sucesso tremendo. Entretanto, infelizmente, ele não seguiu meus conselhos e se foi cedo. Pobre Jim
_ Então o senhor dava conselhos ao Jim Morrison.
_ Dei vários, sempre dizia vá com calma Jim, vá com calma. Mas ele sempre naquela velocidade. Poeta brilhante e louco. Acho que ele não era desse mundo. Saudades do Jim, saudades daqueles tempos em L.A, saudades da Christine e daqueles peitões, saudades da...
De repente ele percebeu que já estava falando demais e calou-se com um ar meio constrangido, enquanto eu caia na gargalhada
_ Christine né seu Benedito, boas recordações hein?
Ele fingiu que não ouviu, apontou para a sede da casa e falou:
_ Pronto, já chegamos.
_ Passamos pouco mais de meia hora na fazenda, o veterinário já tinha consultado e medicado o cavalo e ele ficaria bom em pouco tempo e sem sequelas
A volta foi em silencio. Eu encucado com a estória que acabara de escutar, e seu Benedito perdido em seus pensamentos, talvez, lembrando dos peitões.
Chegamos à cidade e nos despedimos com a promessa de nos encontrarmos em breve para uma prosa.
Quando cheguei finalmente em minha casa, o jogo do Flamengo já tinha começado. O Flamengo perdia por 1 a 0 para o Atlético paranaense, lá na arena da baixada. Acendi um cigarro, abri uma latinha e concentrei-me no jogo.