O PRIMO
Ele sempre foi feio, desde pequeno, nasceu feio, preto, pobre, cabeça grande e pontuda, olhos enormes, nariz largo e achatado, nem tinha lábios e sim beiçolas, mas como Deus é generoso deu a ele além de um grande coração, também músculos e grande força física e mais ainda, pois com sua voz rouca e fanhosa tinha uma grande capacidade de argumentação que convencia a muita gente.
Com todo este aparato fazia facilmente amizade com todos, desde os patrões de sua mãe que era empregada domestica, até os Mauricinhos e Patricinhas, garotos e garotas, da classe média alta na porta do colégio onde ele tomava conta dos carros, ganhando algum dinheiro para ajudar na despesa de casa.
A sociedade classe alta de vez em quando elege alguém do povo para fazer parte do seu cotidiano, há certo folclore nesse escolha, pois utilizam alguém com características peculiares que por utilidade ou diversão atende aos interesses da citada casta.
Foi o caso de nosso amigo que aos 17 anos, de tanto distrair os garotos e garotas abastados começou a ser levado para as festas, a usar roupas doadas pela galera e a frequentar os mesmos locais, com tudo pago pelos novos amigos, contanto que nunca ficasse zangado com as gozações e brincadeiras humilhantes que sofria.
Como ninguém sabia seu nome e sempre tratava aos demais como primo ficou conhecido como ‘’o primo’’ muito popular também entre as mães das patricinhas, graças ao seu tamanho e força agia também como salvo conduto das meninas acompanhando e as protegendo nas festas. O primo ia vivendo numa boa, comendo e bebendo do bom e do melhor, sempre no meio da elite da juventude baiana, se havia um passeio de barco lá estava o primo sempre com uma roupa de marca quase nova, nas viagens de fim de semana o primo era requisitado e até nas pomposas festas de quinze anos das moiçolas o primo era figura cativa. O primo nunca estava de mau humor, sempre disposto a atender os caprichos da galera a qualquer hora do dia ou noite, as tarefas como trocar pneu furado, ou carregar as malas, separar brigas e levar bêbados para casa, claro, sempre sobravam para o primo.
Tudo caminhava bem o primo se sentia um deles, pertencia àquela turma não andava com a galera do seu bairro na periferia, já morava em bairro chique, num belo apartamento dos filhos de um fazendeiro rico que vieram estudar na capital e o primo fazia as tarefas do lar em troca da morada. O primo não era inteligente o suficiente para saber que vivia na base da troca, ou seja, era o bobo da corte para usufruír e muito das benesses do palácio.
A vida do primo parecia fluir bem organizada, já falavam em arranjar emprego para ele, de modo que sempre estivesse por perto quando precisassem dele. Numa dessas voltas do destino o primo cometeu seu pecado mais capital, seu coração o traiu, cupido o flechou sem pena, ficou perdidamente apaixonado por uma das patricinhas que sempre acompanhava as festas. O primo escondeu o quanto pode a sua paixão pela lourinha, mas confundiu a amizade da garota com reciprocidade de sentimentos, movido pelo uísque e cego de amor, durante uma festa no clube local, revelou à linda garota a sua profunda paixão.
Assim como um tsunami que de repente destrói tudo, o mundo do primo ruiu de repente, a pretendida menina saiu da festa apavorada e chorando muito, as famílias se revoltaram com a ousadia do primo, a galera caiu literalmente de pau em cima do coitado, passaram da gozação e humilhação a agressão física em minutos e o primo foi expulso da festa a pontapés pelos seguranças.
O primo foi declarado persona non grata e nunca mais participou do convívio com a elite, pois tinha cometido a audácia de ignorar os preconceitos de cor e classe social de uma só vez. O primo foi forçado a voltar a suas origens, viver no seu gueto com seus iguais, pois de certo em pouco tempo outra figura folclórica iria tomar seu lugar na sociedade, enquanto fosse útil, seguindo então a vida no seu ritmo cruel.