A Menina e o Barro Vermelho
O domingo era o dia ansiosamente esperado pela menina. Ainda sem saber direito a ordem dos dias da semana, perguntava a seu pai a todo instante:
_Pai, amanhã é domingo?
O pai respondia “Não amanhã é terça-feira”
_Pai, depois de terça é domingo?
“Não, depois de terça é quarta-feira minha filha”, o pai respondia mostrando os primeiros sinais de aborrecimento. E assim ela continuava, até a paciência de seu pai se esgotar e ele enxotá-la com um grito, “Menina, não enche!”
Ela saia de fininho, com um sorriso matreiro nos lábios. Ela desconfiava que o domingo só chegava depois do sábado, só desconfiava, ainda não tinha certeza. O problema é que o sábado também demorava a chegar. Ela então dava uma trégua e parava de perguntar. Mas a esperança que o domingo chegasse logo apertava seu peito, fazia palpitar seu coração. Coração de menina de cinco anos, sadia e faceira, bati rápido, muito mais rápido do que o passar dos dias da semana. A semana seguia, e aqui e acolá, ouvia-se de novo a ladainha
_ Painho, amanhã é domingo?
Até que finalmente chegava o dia tão esperado. Ela acorda animada. Sabia que hoje era o dia. Foi informada no dia anterior, que quando dormisse e acordasse, seria domingo. Nesses dias ela se deitava cedo, porém, o sono tardava em chegar. Os pensamentos do que iria fazer quando o dia clareasse, enchiam sua cabecinha de imagens, cheiros e sons, inquietando o sono. Só depois de muito pensar, repensar, e revirar na cama, se entregava ao sono confortador. Levanta-se e toma banho sem reclamar, deixa que sua mãe desembarace sua vasta cabeleira loira, que nunca foi cortada nestes cinco anos de intenso aprendizado da vida. Depois de penteada, os fartos cachos caem melodiosamente sobre suas costas. Coloca seu vestido mais bonito, um rosa bem clarinho. “Vestido de princesa”, diz sua coruja mãe. Uma tiara branca para enfeitar o cabelo, e um sapatinho baixo de fivela, branco, pra combinar com a tiara, completa o figurino. Ela anda toda vaidosa até a frente do espelho e se admira. Vai até o pai e fala:
_Pai, já estou pronta. Tô bonita?
“Tá linda minha filha”, responde o pai babão.
Entram todos no carro e seguem para o sítio do barro vermelho. Barro vermelho é o nome do povoado onde se localiza o sítio. Fica bem próximo da cidade, pouco mais de três quilômetros. É assim chamado, barro vermelho, pela cor do chão, uma terra vermelha muito boa para plantação, dizem os entendidos. Lá, o avô e a avó da menina plantam milho, feijão, mandioca e palma. Criam galinhas, guinés, capões, porcos e algumas vacas. A casa era bem velhinha, feita ainda de taipa. E quem a visse de longe tinha a impressão que ela fosse tombar a qualquer momento. Só impressão mesmo. A casa ainda estava fixe. O aspecto da casa não diminuía em nada o prazer que a menina sentia. Assim que chegava, ela descia do carro como um furacão. O pai se despedia avisando que viria buscá-las às 17 horas. Ela não ouvia, já tinha corrido descalça e sumido por trás do oitão do velho casebre. A vaidade demonstrada quando estava se arrumando mais cedo, desaparecia completamente durante aquelas horas que se divertia no sítio. Ela se jogava e verdadeiramente ganhava o sítio, ganhava o mundo, ao lado de seu avô, que a levava a tiracolo para todos os lugares. Iam catar espigas de milho na plantação, levar as vacas para a cocheira para alimentá-las, ia na pocilga, jogava grãos de milhos para as galinhas, corria atrás das guinés, irritava o cachorro que estava amarrado na árvore. Ela brincava, corria, rolava, vivia e se sujava. E como se sujava. O pé no chão vermelho era o seu primeiro prazer quando chegava ao sítio e assim ficava até a hora de seu pai chegar para levá-la pra casa. Quando o pai buzinava na porta da casa, ela vinha correndo e gritando:
_Mainha, painho já chegou.
Quando o pai a via, segurava o sorriso e dizia com cara bem séria:
_Minha filha, você estava no chiqueiro com os porcos?
Ela abre o sorriso, mostrando os dentes branquinhos, contrastando com o resto do corpo, e com a sua roupa, que estavam completamente vermelhos. Os cabelos, outrora bem penteados, agora estavam desgrenhados, e o loiro deles, agora estava mais para o ruivo, alguns fios estavam colados em suas bochechas rubras. Suas canelas eram só barro. Ela se aproxima do carro e diz:
_Não painho, não estava no chiqueiro não. Estava só brincando.
E dava uma gargalhada, que só as crianças podem dar, com suas almas lúdicas e puras. Ela suja o corpo e limpa a alma, todos os domingos, no sítio do barro vermelho.