Um pensamento, apenas um pensamento

A lua cheia brilhava no céu. Sua cor levemente azulada destacava as estrelas a seu redor e chamava a atenção de todos que caminhavam sob sua guarda. A chuva no final da tarde havia limpado o céu e levado as nuvens com ela, deixando a noite clara e bela.

Casais passavam abraçados na praça central, contemplando a fonte em forma de anjo que despejava constantemente água por um jarro que tinha em mãos. Os postes de luz e os enfeites de natal faziam com que tudo podia ser vistos e trazia calma para os jovens que aproveitavam a última semana do ano para estender seus dias.

Alheia a toda essa movimentação uma figura caminhava distraídas sob a escuridão provocada pelas árvores do outro lado da avenida. Seus passos leves e arrastados guiavam seu corpo enquanto sua mente estava perdida nos mais diversos pensamentos.

Seu caminhar foi interrompido pela imagem do corpo celeste refletido no riacho que passava silenciosamente sob uma pequena ponte de metal leve. Vencida pelo desejo de contemplar tão bela imagem, subiu no parapeito e sentou-se na frágil grade, deixando que suas pernas balançassem soltas. Não demorou muito para que seus pés não aguentassem e deixassem suas sandálias mergulhassem nas tranquilas águas que seguiam abaixo.

A jovem permaneceu imóvel, olhando para reflexo turvo da lua e sua estrelas, como se aquela imagem fosse capaz de ouvir seus pensamentos, servindo como o mais fiel confidente. Quem passava na ponte não podia ver, nem mesmo refletido na água, o rosto que sofria, deixando que pequenas lágrimas escorressem dos seus lindos e brilhantes olhos verdes que se entregavam ao sofrimento de uma alma.

Quando a movimentação já havia diminuído um novo ser se juntou ao quadro. Primeiro, ele parou em pé próximo ao parapeito e trocou a direção de seu olhar entre o reflexo no lago e a jovem que estava sentada próxima a ele. Depois, tirou o gorro que usava, guardou no bolso da blusa e se sentou ao lado da jovem, que enxugou os olhos, sem mudar de posição.

Os dois ficaram sentados lado a lado em completo silêncio. Mesmo sem que nenhuma palavra fosse dita aquela presença fez com que o coração da jovem se acalmasse um pouco e as lágrimas parassem de escorrer por seu rosto. Não entendia o porquê, mas aquele homem ao seu lado parecia compreender tudo que se passava com ela. Aquilo a acalmava.

- Incrível a imagem da lua. – Pronunciou a jovem quase como um sussurro, quebrando o silêncio.

- Sim. Uma imagem bela em todas as situações, não importa quão perturbada a mente está.

O silêncio foi retomado após este comentário. A jovem sentiu um aperto no peito que fez seus olhos se encherem de lágrimas que, forçadamente, foram retidas. Ela já estava cansada da visão turva e o rosto molhado pelo seu sofrimento.

- Apesar de tudo, exteriorizar seus sentimentos pode ser bom. As lágrimas ajudam a lavar a alma. – Disse homem, estendendo um lenço para a jovem.

- Cansei de chorar. Não vale a pena. – Afirmou, ignorando o gesto de seu ouvinte.

- Sempre vale a pena. Não pela situação ou pelas pessoas envolvidas nelas, mas por você. As lágrimas são provas do envolvimento, se forem retidas transformam-se em rancor, ódio ou descomprometimento. – Voltou a guardar o lenço e apontou para o riacho – Vê as estrelas refletidas?

- Sim.

- A maioria das pessoas as ignoram. Encantam-se com brilho da lua e deixam que esses pequenos astros se transformem e luzes coadjuvantes. Pequenos detalhes. É a visão mais comum. Entreter-se e ocupar-se com a grande luz que ofusca os pequenos seres, pequenos momentos que a cerca. Só quando se sofre, ou se está sozinho que se costuma olhar para o céu, mas não na busca da lua e sim de suas pequenas companheiras. Gosto de pensar que isto ocorre porque buscamos o que não está claro, aquilo que ainda não percebemos.

- Ou queremos esquecer daquilo que percebemos. Às vezes o entendimento trás mais sofrimento do que a ignorância. Nos mostra nossa fragilidade e dependência.

- Às vezes. Mas também pode servir para mostrar-nos que estamos dependendo da coisa errada, da pessoa errada. Somos dependentes, sempre fomos e sempre seremos. Cabe a nós abraçarmos o sentimento e sermos completos ou tentar afastá-lo e sofrer. Só que, para tomarmos essa decisão, precisamos encontrá-lo de verdade, sentir que estamos imersos em algo verdadeiro. O engano trás a dor e não descobrir que ele aconteceu. Esta descoberta apenas tira a máscara que nos cobria os olhos.

O jovem sorriu para a jovem, recolocou o gorro e desceu para a ponte. Antes de ir embora, tirou seus sapatos e postou-os próximo à jovem.

- Quem é você? – Indagou a jovem quando o homem virou a costas e começou a andar.

- Um pensamento.