Aniversário

Detestava datas festivas que imitavam dias comuns. Eram mentiras cósmicas.

Acreditava que existiria um dia que o acordar na data do seu aniversário seria diferente. Ela se sentiria mais intensa, e talvez, um mundo mágico dissesse bom dia. Com arco-íris vários dançando nos céus. Talvez alguns unicórnios, ela sempre gostou de unicórnios.

Mas os anos passavam e nada acontecia. Assim, ela resolveu escolher os dias de seus aniversários. Teve anos do calendário que comemorou duas ou três vezes. Teve outros que não envelheceu.

Lembrou-se do dia que se embebedou com vinho do porto, e quando esse acabou usou o Dreher que sua mãe consumia em pequenas doses para flambar comida. Na sala de casa, enquanto os pais dormiam, com uma velha amiga que havia conhecido no dia anterior. Esses foram os dezessete e dezoito anos.

Os vinte anos foram um pouco mais sóbrios. Celebrou dançando para quinhentas pessoas que lotavam o teatro mais lindo de sua cidade. Comemorou em cinco minutos, que não queria que acabassem nunca.

Existiam também os anos que passou apenas em sua própria companhia. Ela e ela mesma, talvez alguns amigos imaginários.

Uns unicórnios também.

Não conseguia mais se lembrar do dia que esses seres fizeram suas tendinhas coloridas nas entranhas da sua cabecinha e de lá não mais saíram. Lembrava-se sim, e com detalhes, de quando chumbou a Rússia e seus escritores ao lado dos unicórnios. Porque cabecinha era só no sentido figurado.

Seus catorze anos foram regados a brigadeiros quando terminou de ler Crime e Castigo e encarou a vida um pouco diferente de quando não sabia da existência de Dostoiévski. Esse último tão especial, que fazia aniversário, aquele das pessoas comuns, no mesmo dia que o seu. Era a ligação sobrenatural que sempre havia procurado.

Aos quinze, alguns meses depois, festejou a primeira frase dita, escrita e entendida em russo.

Porém já previa, e sua mãe há muito já a alertava, que anos trazem sabedoria, e essa trazia marcas. Morria de medo de ter o semblante povoado de dobrinhas. Pés de galinha, marcas de expressão, rugas.

Rugas.

Aos vinte e cinco passaria por uma autoavaliação sincera, acreditava que com creme anti-idade poderia continuar contando seus anos sem grandes prejuízos.

Halina
Enviado por Halina em 10/12/2011
Reeditado em 08/08/2012
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