1984(Lembranças)
Domingo onze e meia da manhã e eu deitado com aquela ressaca. Boca seca, olhos vermelhos a cabeça latejando, ou seja, todos os sintomas de quem chutou o balde no dia anterior, ou melhor, bebeu de balde e se esbaldou. Levantei e fui procurar a carteira de cigarros que eu tinha jogado em algum lugar antes de deitar, achei-a debaixo do livro que eu estava lendo, um livro que falava sobre um país que vivia numa falsa democracia liderada por uma figura simbólica chamado de o grande irmão. O nome do livro é 1984, de George Orwell, nele o autor mostra uma forma de super totalitarismo, onde tudo era observado por câmeras e a liberdade não existia. Peguei a carteira de cigarro, acendi um e fiquei olhando para o livro. Aquele título me fazia recordar da minha infância em Brasília. Em 1984 Brasília vivia um clima diferente do livro, estávamos ainda na ditadura, mas, a cidade, e o país todo, respiravam a esperança do retorno da democracia e da liberdade de expressão, e até para um moleque de 11 anos (idade que eu tinha na época) era contagiante.
Artistas, músicos, atores e atrizes, políticos, operários, jogadores de futebol, trabalhadores de todas as áreas e até um nordestino operário barbudo de língua presa e que falava em português errado estava lá, me lembro muito bem, todos gritando e clamando por democracia, pelo voto direto. Era a campanha das “DIRETAS JÀ”. Quando o relógio marcava seis da tarde todos os carros piscavam o farol e buzinavam, as pessoas que estavam em casa iam para as varandas ou janelas de seus prédios e batiam panela e isso continuava por uns 10 minutos, era empolgante, todos unidos por uma causa e se manifestando pacificamente, porém, a campanha perdeu em votação e não tivemos voto direto. A eleição foi feita no estilo colégio eleitoral e de forma aberta, foi transmitido ao vivo pelas televisões, que mostrava os deputados e senadores se encaminhando para um microfone onde diziam se queriam Tancredo Neves (Aliança democrática) ou Paulo Maluf (PDS), para presidente do Brasil. Venceu Tancredo Neves. Tancredo Neves foi o primeiro Presidente civil eleito depois da Ditadura, porém não assumiu, faleceu no dia 21/04/ 1985, data bastante contestada, já que diziam que ele teria falecido alguns dias antes, mas só anunciaram no dia 21 para ter a coincidência com o dia da morte do também mineiro Tiradentes, “heroi” da Inconfidência Mineira, com isso assumiu o vice José Sarney.
Levantei e me dirigi ao banheiro para tomar banho com os pensamentos ainda em Brasília, o que me deixou nostálgico por um bom tempo, só quem morou em Brasília sabe o poder que ela tem. Voltei ao quarto e fui dormir de novo, aquela ressaca tava me matando.