MINHA MÃE NÃO TEM PAPEL MATA-MOSCAS

Era mais um dia quente de um mês qualquer. Na folha de papel sobre a mesa a frase idiotamente rimada permanecia martelando o olhar que a fitava: “não abuse das flores, nem morra de amores”. Uma formiga deslocou-se rápida por sobre aquela folha e desapareceu na superfície marrom da mesa.

A xícara, cheia de um café já frio e muito doce, atraiu a atenção das moscas (elas sempre terminavam aparecendo, apesar do cuidado com que mantinham o lixo bem acondicionado). Com a mão direita espalmada espantou-as. Gesto inútil. Voltaram.

A mão esquerda, inerte desde o derrame que a acometeu, não foi a única sequela visível que restou. A boca, levemente torta para a direita e a perna esquerda ainda claudicante quando caminhava, também!

O derrame foi algo como uma meia-morte, como um tempo pasmo que martelava a mesma passagem num lusco-fusco incessante, sempre ali, presente. Teve que reaprender coisas simples e corriqueiras. Obedecer a ordens. Repetir. Repetir. Reaprender. Reaprender.

A folha de papel e a xícara foram retiradas da mesa por alguém e a superfície lisa e marrom ficou ali, vazia, à frente dela, como um ponto obsceno e sombrio; como mancha que definitivamente não pudesse ser arrancada.

Cleo Ferreira
Enviado por Cleo Ferreira em 06/12/2011
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