"Hoje há festa no céu"

Quando eu era criança, morava no interior. Tinha vários irmãos.

Sem luz elétrica, a escuridão era assustadora.

Quando chovia, temerosos, nos recolhíamos dentro de casa. Olhando pelas janelas, víamos, assustados, o pipocar dos raios e ouvíamos os ruídos aterrorizantes dos trovões e da chuva caindo pelo telhado de zinco da varanda.

Minha irmã mais velha, com cerca de 10 anos, meio maternal, na sua ingenuidade infantil, tentava nos acalmar contando o que, na sua rica imaginação, estava acontecendo:

“ - Vai haver uma festa lá no céu!

Os anjos estão preparando os salões para receber as visitas.

Estão lavando tudo. A água vem se espalhando pelo ar e cai sobre nós, aqui em baixo. Nós chamamos de “chuva”.

Para limpar, estão arrastando os bancos ( não havia sofás nas casas de minha vila, apenas bancos e cadeiras...) e por isso escutamos o barulho, daqui de baixo. Prestem bem atenção para notar como são bancos sendo arrastados... Ouçam!

Essas luzes e linhas coloridas, luminosas riscando o céu? São foguetes (fogos de artifício). Estão soltando para avisar os convidados de longe, que haverá festa.”

E assim, íamos seguindo a narrativa, cheia de coloridos detalhes, esquecendo nossos medos e acompanhando os preparativos para a festa no céu.

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Hoje, quando lembro passagens como essa, admiro a solidariedade demonstrada por uma criança que, tentando vencer seus próprios medos, embarcava numa viagem imaginária e nos carregava juntos.

Parece que ainda vejo a cena: crianças aninhadas no chão, em frente à janela, com os olhos arregalados, ora olhando para fora, ora olhando para a criança maior que, em pé, com ardente gesticulação, dava um tom de realismo às suas palavras e nos transportava a todos para um lugar seguro, a espera da “festa”.

Bons tempos aqueles!

Aproveitando um dito comum nos dias de hoje, eu reforço:

“Éramos felizes... e não sabíamos!”