Sublimação III - Apenas Uma Ligação
Era fim de expediente. Muitos já haviam ido embora. A chuva caía preguiçosa. Era um final de tarde e o Sol escondia-se, despedia-se do dia em que quase não apareceu. Lenta e suavemente, respingos molhavam alternadamente o vidro da Janela da sala quase escura, iluminada apenas por uma lâmpada no centro do teto. Havia um ar de dúvidas no ar. A fumaça de um cigarro intocado esvaía-se junto a um cinzeiro que, solitário, mantinha-se intacto no canto esquerdo da escrivaninha. O cinzeiro e um telefone. Entre eles, apenas a chuva falava saltitante no vidro da janela entre-aberta. Perdurava a ideia de pegar o telefone, de ligar, de retribuir o convite e apenas dizer algumas palavras ou, quem sabe, ficar em silêncio... Talvez falar sobre relatórios, possíveis dúvidas. Não sei. A dúvida acompanhava o ritmo lento dos pingos na janela como se alguns estivessem dizendo Sim e outros Não para meu desejo de ligar. O barulho incessante dos respingos era a angústia da dúvida que se maquiava para estrear seu show: a ambiguidade do desejo de fazer a ligação esperava o ponto alto da quebra do silêncio e do início do espetáculo: catarse! A dúvida ainda permeia minha mente. Anseios, questionamentos refazem a orgia de sentimentos que perpassam minha mente. Meu coração está em chamas e apenas águas turvas refazem os caminhos que antes eram limpos. A imagem da deusa-mulher se forma e se desfaz junto a fumaça do cigarro que, solitário, parecia apontar para o telefone. Apenas os respingos sussurram aos meus ouvidos e a fumaça do cigarro formava apenas um imperativo: ligue! Prefiro ouvir os respingos da chuva... Ainda não sei...