Amarelo
A luz amarelada vem de uma lâmpada antiga e empoeirada, em cima da porta da Sra.Leonel, no alto da escada de pedra. Acredito que está ali desde sua ruína. A casa da Sra.Leonel em si é o reflexo de sua enorme desventura. Acabou de chover. É novembro, primavera. Novembro é um mês doce. Passa das 21h00min. Marcelo se pôs à janela de metal e olhou o pátio molhado, as grandes placas de cerâmica cinza no chão estão alagadiças. A lâmpada da Sra.Leonel espalha por todo o pátio um tom amarelo nostálgico e luminoso, que refletido na água do chão dá àquela noite um ar 'natalino'. Está fresco, quase frio, não só por que é noite, mas também por que choveu. O frescor sobe do chão molhado ao rosto de Marcelo. É quase uma ironia o fato de que, naquela vila, a única lâmpada acesa que embeleza a noite molhada venha da casa da Sra.Leonel, logo ela, a quem Marcelo carinhosamente apelidou para si mesmo de “vestígio”. E isso é um fato, digo, é assim que a vêem. Ou pior, a Sra.Leonel se faz um vestígio. Mas agora é irreversível, toda vida é irreversivel. “Irreversível”, Marcelo repete a palavra. Talvez ‘irreversível’ encaixe melhor a Sra. Leonel do que ‘vestígio’, afinal sua história é irreversível. H. Leonel, o vestígio irreversível. Mas é da casa sem esperança, da casa de um “vestígio” que vem a luz amarelada na noite de novembro, a maresia agridoce da chuva. Marcelo acredita ser uma noite calma. Noite plena de vazio. Vazia de plenitude.